Espiritualidade que vence o medo

A era bacteriológica foi vencida pelos antibióticos. A nova patologia é neuronal: síndrome de hiperatividade, défice de atenção, transtorno de personalidade limítrofe, Síndrome de Burnout. Isso é uma reação ao desaparecimento da estranheza e da alteridade. O estranho cede lugar ao exótico.

Na crise de alteridade e de estranheza, o outro e o estranho não mais nos afetam. Na correria do cotidiano, desaparece o espírito contemplativo e profundo. A lamúria do indivíduo depressivo de que nada é possível, só se torna possível numa sociedade que crê que nada é impossível.

O sujeito entra em guerra consigo mesmo. Há um excesso de estímulos, informações e impulsos. Isso gera uma atenção ampla, mas rasa.

Aparentemente, temos tudo: só nos falta o essencial: o mundo. Esse perdeu sua alma e sua fala. O alarido da comunicação sufoca o silêncio. A proliferação e massificação das coisas expulsam o vazio que faz pensar. Vive-se a era do vazio por falta e não por opção.

Os sinais dos tempos, a história, o cosmo, tudo fala de Deus. Justamente por ser histórica, a espiritualidade cristã também sofre tentações consideráveis: o medo, a fuga e a impaciência.

O medo é sintoma de nosso medo de Deus, de suas exigências, de suas solicitações. É medo do futuro. É o que os medievais denominavam acídia, ou preguiça espiritual. Por outro lado, realmente, as exigências de Deus são mortais, pois, quem o encontra deve morrer para sua própria história de pecado e desvios. Ele convida o velho homem a morrer, para que possa o novo homem caminhar por caminhos novos, até então desconhecidos.

Isso é exigente, porque a nossa tentação é de nos defendermos diante do futuro que só a Deus pertence; queremos as garantias e a segurança daquilo que já possuímos e nos fechamos às surpresas de Deus.

Se o medo nega o futuro, a fuga nega o presente. É a atitude comum de quem vive sempre fora da realidade e repete: “Se eu estivesse numa situação diversa…, se eu tivesse outra família…, se eu trabalhasse em outro lugar…, então seria feliz, então teria alegria de trabalhar e me sentiria melhor.”

A tentação da fuga é basicamente aquela de fechar os olhos diante do presente humilde no qual Deus nos colocou e que é o lugar no qual Deus fala à nossa vida.  O grande desafio é acolher a presença de Deus, não numa dimensão a-histórica, mas no aqui e agora, no nosso humilde presente, na história do nosso hoje

Se alguém reza colocando somente uma parte de sua vida ou de sua história nas mãos de Deus, não reza verdadeiramente. O que não foi assumido não foi redimido, determina o antigo axioma patrístico, e, nesse contexto, vale lembrar que o Verbo de Deus assumiu nossas dores e pecados para curar e salvar todo nosso ser. A oração é o momento no qual Deus nos muda e nos torna capazes de reconhecê-lo no nosso presente, sem fugas, para sermos capazes de amá-lo onde estamos.

A IMPACIÊNCIA é a negação do passado. Ela nos faz esquecer o que temos atrás de nós: a história da qual proviemos, da nossa família. Essa história exige amadurecimento, e há processos lentos que muitas vezes rejeitamos. A oração nos faz compreender que Deus não violenta o tempo humano. Há uma paciência de Deus que, antes de ser um sinal de sua infinita misericórdia, é sinal do imenso respeito que ele tem por nós, seres humanos, até mesmo diante de nossos erros e pecados.

Aceitar essa paciência significa ter a coragem de aceitar que as coisas podem mudar somente num crescimento gradual e complexo e de compreender que este mundo jamais será nossa pátria definitiva. Nada aqui é permanente, por isso, tudo concorre para o bem dos que amam a Deus, mesmo se em tempos diferentes do que imaginamos.

Dom Leomar Antônio Brustolin – Arcebispo Metropolitano de Santa Maria e Presidente do Regional Sul 3