Eu sou o pão que desceu do céu

A narração da 1ª Leitura deste Domingo (1º Livro dos Reis 19,4-8) é sumamente cuidadosa e cheia de detalhes. As alusões ao deserto, aos antepassados, aos 40 dias e 40 noites de caminhada, ao alimento, ao monte de Deus, são muito claras e numerosas para não se reconhecer nelas o caminho inverso ao que realizou Israel no Êxodo. O autor sagrado apresenta o Êxodo não apenas como uma fuga do Egito. Na verdade, Deus proporcionou a seu povo a busca e o retorno às suas raízes, que terminará num verdadeiro encontro com Deus.

Mesmo os grandes heróis bíblicos, como Elias e Moisés (cf. Números 11, 15), experimentaram a nossa fraqueza. Elias, desanimado com o resultado do seu ministério, foge porque “não é melhor que seus antepassados” no trabalho pelo reino de Deus e pensa ser melhor reunir-se com eles na tumba (v. 4), ou seja, pensa em morrer. Quando o homem reconhece a sua fraqueza, então a força de Deus intervém (cf. 2 Coríntios 12, 5-9). Com o pão e a água, símbolos do antigo Êxodo, Elias realiza o seu próprio Êxodo (simbolizado nos 40 dias, v. 8) e vai ao encontro de Deus. Tal como é narrado, este episódio de Elias fala-nos do caminho, dos esforços, das tarefas demasiado grandes para realizá-las com as próprias forças e da necessidade de caminharmos apoiados nas forças do alimento que nos mantém. Só assim nos poderemos erguer e seguir a ordem do Senhor: “Levanta-te!”. E este alimento é Deus quem nos dá.

A 2ª Leitura (Efésios 4,30-5,2) é a continuação da exortação apostólica de São Paulo que desce a detalhes, falando daquilo que o cristão deve evitar (aspecto negativo) ou deve fazer (aspecto positivo). Assim, os cristãos podem trabalhar na edificação da igreja e não entristecer o Espírito, rompendo a unidade (cf. Efésios 4, 25-32a; 4, 3). Este modo de viver encontra o seu fundamento naquilo que Cristo realizou ou o Pai cumpriu por Cristo. Somos chamados a viver de maneira cristã e no amor, como Cristo e o Pai (cf. Mateus 5, 48). Como o Pai perdoa, assim devemos fazer nós, cristãos (cf. Mateus 6, 12. 14-15). Como Cristo ama e se dá em sacrifício, assim somos chamados a fazer. A unidade com Deus e com os irmãos é também fruto do sacrifício pessoal.

O Espírito Santo é o elemento determinante do comportamento cristão. Na mesma linha, com outras passagens paulinas sobre o Espírito, a sua recepção é vinculada (indiretamente) ao batismo e considerada selo/marca que identificará na parusia (segunda vinda de Jesus) os que pertencem a Cristo.

Quando o Evangelho de hoje (João 6,41-51) foi escrito, os cristãos já tinham sido expulsos da sinagoga, ou seja, do judaísmo. Existia um áspero confronto entre alguns grupos de judeus que se tornaram cristãos e os cristãos provenientes do paganismo. Além deste conflito interno, pagãos e judeus ridicularizavam as expressões de fé cristã, como a Eucaristia. Para os pagãos, romanos e gregos, a comunidade cristã era vista como um grupo de pretensiosos que queriam anunciar como boa notícia a morte de um carpinteiro anônimo e pobre. Para eles, as boas notícias vinham somente do imperador e das autoridades que alegravam a seus súditos com algum presente. Para os judeus, Jesus era somente um profeta insignificante, filho de um artesão e oriundo de uma aldeia miserável. Para nenhum dos grupos, Jesus podia ser “o pão descido do céu”.

As comunidades cristãs tiveram, desde o início, de se firmar muito bem para defender com energia e convicção o significado de Jesus para a história da humanidade. A salvação não somente provinha dos judeus, mas também da gente pobre da Galileia que descobriu, em Jesus, o seu Redentor. Jesus é o pão descido do céu porque consegue comunicar essa vida em plenitude que vem somente de Deus. Jesus é o caminho para uma humanidade fraterna, onde todos se reconhecem iguais e filhos da mesma família.
Hoje, frente a descrença e ao desprezo de tantos para com Jesus e para com sua mensagem de Salvação, é oportuno perguntarmos: a forma pela qual vivemos o nosso cristianismo realmente nos compromete com o anúncio do Evangelho? Esforçamo-nos para que nossas comunidades sejam realmente igrejas vivas onde todos se reconheçam como irmãos? Criamos formas de participação que permitam a todas as pessoas expressar seu parecer e intervir plenamente na vida da comunidade cristã? Somos, como Igreja, um testemunho vivo que apresente ao mundo o rosto de Jesus, como Salvador da humanidade?

Jesus vai dar a sua “carne” (“o pão que Eu hei de dar é a minha carne”–cf. João 6, 51) para os homens terem acesso a essa vida plena, total, definitiva. Jesus se refere à sua “carne” física? Não. A “carne” de Jesus é a sua pessoa — essa pessoa que os discípulos conhecem e que se lhes manifesta, diariamente, em gestos concretos de amor, de bondade, de solicitude, de misericórdia. Essa “pessoa” revela-lhes o caminho para a vida verdadeira: nas atitudes, nas palavras de Jesus, manifesta-se historicamente ao mundo o Deus que ama os homens e que os convida, mediante gestos concretos, a fazer da vida um dom e um serviço de amor.

 

Dom Antonio Carlos Rossi Keller – Bispo de Frederico Westphalen