“Faze isso e viverás”

A palavra amor ocupa um espaço considerável na literatura, nos filmes, nos discursos, nas relações e nas conversas cotidianas. É a palavra que está no centro desta liturgia dominical (Deuteronômio, 30,10-14; Salmo 69, Colossenses 1,15-20 e Lucas 10,25-37). É uma palavra comprometedora, porque desequilibra quem a pronuncia e quem a vive. Os textos bíblicos da liturgia oferecem uma preciosa contribuição para verificar se a palavra amor está sendo usada corretamente, particularmente no sentido cristão.

Um mestre da Lei quis “pôr Jesus em dificuldade” sobre o que “fazer para receber em herança a vida eterna?” Jesus não rejeitou o diálogo e como estava falando com alguém que ensinava os outros, devolve a pergunta. O mestre da lei responde: “Amarás o Senhor teu Deus, de todo o teu coração e com toda a tua alma, com toda a tua força e com toda a tua inteligência; e ao teu próximo como a ti mesmo!” Jesus confirmou o ensinamento e acrescenta, em outra oportunidade, “como eu vos amei”.

Os humanos são capazes de amar? É um mandamento que ultrapassa as capacidades humanas? Precisa ser bem ensinado? O livro do Deuteronômio responde: “este mandamento (…) não é difícil demais, nem está fora do teu alcance. Nem está no céu (…) nem no outro lado do mar (…).  Ao contrário, esta palavra está bem ao teu alcance, está em tua boa e em teu coração”. A ética fala de lei natural afirmando que todos os seres humanos naturalmente e com o auxílio da inteligência distinguem entre o bem e o mal. São capazes de fazer o bem e evitar o mal, porque está ao alcance da boca e do coração.

Jesus aprofunda o tema e exemplifica o mandamento que conduz à vida eterna contando a Parábola do Bom Samaritano. A vida eterna é uma vida plena, sem limites de qualidade, de espaço e de tempo. É a comunhão com Deus, além da morte. O samaritano “sentiu compaixão do “quase morto” e se aproximou dele, fazendo dele o seu próximo. A compaixão que poderia indicar um vago sentimento produziu, na verdade, uma série de ações concretas para realizar o mandamento do amor.

A parábola narra em detalhes as medidas adotadas pelo samaritano para cuidar do assaltado recordando que o amor apela para a inteligência, à vontade, ao bom senso, à criatividade, enfim usa todos os recursos humanos possíveis. O samaritano realiza o que está exemplificado no mandamento: “de todo o teu coração e com toda a tua alma, com toda a tua força e com toda a tua inteligência”. Também as medidas adotadas contrastam com a visão simplista de igualar amor e sentimento.

A ajuda do samaritano contém todas as características do amor: aproximação, atenção ao outro, ocupar-se dos problemas do outro, pagar pessoalmente seja em dinheiro ou em tempo, interessando-se pelo presente e pelo futuro. O interessante que tudo isto é feito sem o registro de uma palavra. Quantas vezes, infelizmente, se fazem planos faraônicos, projetos, discussões, porém nada de concreto é feito. Aqui não estão registradas palavras, mas somente fatos que têm grande eloquência.

Agora o mestre da lei aprendeu quem era o seu próximo. Também o leitor, o cristão de todos os tempos, aprendeu que agora em diante não poderá desculpar-se e fugir da responsabilidade escondendo-se por detrás da justificativa hipócrita “não sabia” ou “não toca a mim”. Por duas vezes Jesus conclui: “Faze isso e viverás” e “vai e faze a mesma coisa”.

Dom Rodolfo Luís Weber – Arcebispo de Passo Fundo