Laudato Si: A tragédia no RS exemplifica os efeitos das mudanças climáticas e a falta de prevenção

Em entrevista, o professor Telmo Pedro Vieira relaciona a Encíclica publicada há 9 anos com os desastres climáticos ocorridos no Rio Grande do Sul durante este mês e ressalta a importância de uma mudança de comportamento no cuidado com a Casa Comum.

A encíclica Laudato Si, publicada pelo Papa Francisco em 2015, representa um chamado urgente para a proteção do meio ambiente e a promoção da justiça social. O documento apresenta a preocupação do Papa com os desafios globais enfrentados pela humanidade, incluindo a crise climática, a degradação ambiental e a desigualdade socioeconômica. Francisco destaca a interconexão entre todas as formas de vida e enfatiza a responsabilidade de cuidar da casa comum. Além disso, a encíclica incentiva uma reflexão profunda sobre os estilos de vida consumistas e a necessidade de uma conversão ecológica que promova um modelo de desenvolvimento sustentável baseado na solidariedade e na justiça.

Na Laudato Si, o Papa destaca que a crise ambiental é uma crise moral e espiritual, exigindo uma mudança na maneira como entendemos e nos relacionamos com o mundo. Além de oferecer uma crítica à visão utilitarista da natureza, a encíclica convoca indivíduos, comunidades e instituições a adotarem uma abordagem que promova a ecologia integral.

Neste mês de maio, que marca o nono aniversário da Laudato Si, a jornalista e assessora de comunicação da Arquidiocese de Florianópolis, Fabiola Goulart, entrevistou o professor e coordenador do Capítulo de Santa Catarina do Movimento Internacional Laudato Si, Telmo Pedro Vieira. Na conversa, ele destaca pontos cruciais para compreender a crise climática que vivemos – manifestada de modo especial neste tempo no Rio Grande do Sul – e reafirma: “a transformação depende de todos nós”.

Professor Telmo Vieira. Foto: Fabíola Goulart

1) A Encíclica Laudato Si é um texto que pode nos ajudar diante dos desastres naturais que vemos nos últimos anos, especialmente o de agora no RS? De que maneira?

Sim, a encíclica do Papa Francisco nos ajuda a entender nossa responsabilidade diante das mudanças climáticas e desastres naturais. Ela enfatiza que a crise climática é causada pelas ações humanas e que temos o dever de cuidar da “casa comum”. A encíclica apela para uma conversão ecológica pessoal, mudando estilos de vida, combatendo o consumismo e a cultura do descartável. Destaca a urgência de reduzir nossa pegada ecológica e adotar uma vida mais simples. A tragédia no Rio Grande do Sul exemplifica os efeitos das mudanças climáticas e a falta de prevenção. Precisamos reconhecer e agir contra a destruição do ecossistema, a perda de biodiversidade e o uso de combustíveis fósseis. A mudança de comportamento e a gestão pública eficaz são cruciais para enfrentar esses desafios e prevenir futuras catástrofes.

2) Segundo o documento, como viver a virtude da esperança diante das tragédias da natureza e os distintos problemas atuais relacionados a ela?

Devemos viver como São Francisco, adotando uma vida simples e mantendo o “esperançar” – um compromisso ativo de buscar soluções e ser sinodal, em movimento e colaboração. A conversão deve ser tanto pessoal quanto coletiva, onde desempenhamos nosso papel profético de denunciar e alertar sobre os gritos da terra. A encíclica nos convida a reconhecer nossa responsabilidade com a criação e agir juntos para corrigir seu rumo, promovendo vida digna. Ela é um chamado à ação imediata, não ao desespero, enfatizando que, unidos, podemos trazer esperança e mudança.

3) Como uma ecologia integral, como sugerida na Laudato Si, pode ajudar?

A ecologia integral proposta pelo Papa Francisco abrange vários aspectos: ecologia natural, ecologia humana, ecologia econômica, ecologia cultural, ecologia do cotidiano e ecologia intergeracional. Ela enfatiza a administração responsável dos recursos, a valorização dos conhecimentos dos povos originários e a necessidade de preservar o meio ambiente. A ecologia do cotidiano chama a atenção para o cuidado com as cidades, o saneamento básico e o planejamento urbano. A ecologia intergeracional nos lembra da responsabilidade de deixar um planeta saudável para as futuras gerações. Essa abordagem buscando a totalidade das coisas, onde tudo está interligado, promove um cuidado abrangente e sustentável com a criação, unindo diferentes dimensões ecológicas para enfrentar os desafios ambientais de maneira completa e eficaz.

4) O capítulo 5 fala de “Linhas de orientação e ação”. Que pontos seriam aplicados nesse contexto que estamos vivendo com a tragédia no RS?

O Papa Francisco sugere ações práticas como a separação do lixo, a redução do uso de plásticos descartáveis, a compostagem doméstica e o uso consciente de água e energia. Ele defende uma vida mais simples, fora da lógica consumista, para garantir um futuro sustentável. No contexto do Rio Grande do Sul, é essencial prevenir enchentes com infraestrutura adequada, retirar casas de áreas de risco e recuperar matas ciliares. As cidades precisam ser redesenhadas para permitir a infiltração da água no solo. A tragédia no RS deve servir de reflexão para adaptar nossas cidades e políticas públicas às mudanças climáticas, que continuarão a provocar eventos extremos. Preservar a vida humana requer cuidar do planeta, pois nossa sobrevivência depende da saúde do ambiente natural.

5) Que grande mensagem de esperança ou de luz podemos tirar da Laudato Si neste momento, ainda em meio à crise?

A mensagem central da Laudato Si é de esperança, ou “esperançar”. Isso implica sermos sinodais, ou seja, estarmos em movimento e agirmos em prol da recuperação da nossa casa comum, a Terra. Apesar do tempo escasso, ainda há oportunidade para evitar o pior das mudanças climáticas, como o aumento excessivo da temperatura global. A crise atual, como a tragédia no Rio Grande do Sul, deve servir de alerta para a necessidade de ação imediata e coletiva. A mensagem é clara: a transformação depende de todos nós, independentemente de religião, ideologia ou status social. Devemos unir esforços e buscar soluções para proteger e preservar nosso planeta.

 

CNBB Sul 3