Marta e Maria
A liturgia dominical vai refletir sobre a visita de Jesus na casa dos irmãos Marta, Maria e Lázaro – que não comparece neste caso. O fato está descrito em Lucas 10,38-42. Como é próprio na visita de uma pessoa ilustre, procura-se acolher bem, oferecer algo para comer e dá-se tempo para conversar. Porém, nesta visita de Jesus desenvolve-se uma tensão entre Marta e Maria. Maria prioriza ficar na escuta de Jesus e Marta ocupa-se dos afazeres da casa. O princípio de crise é objeto de diálogo entre Jesus e Marta. Narrativa que abre espaço para refletir sobre o nosso modo de viver na atualidade.
A tecnologia criou muitos recursos que facilitaram a vida contemporânea: diminuíram a duração das viagens; os meios de comunicação são mais eficientes e rápidos; vários eletrodomésticos facilitaram o preparo das refeições; etc. Objetivamente falando, a geração atual deveria ter mais tempo livre para a família, visitar os amigos e estar com as pessoas próximas. Também, ninguém duvida que todos têm muitos compromissos. Na prática, a vida contemporânea é marcada pela agitação e a aparente falta de tempo.
O primeiro valor que desponta deste breve relato bíblico, é a importância da visita, da acolhida, da hospedagem. Temos muitos meios para nos comunicar e, nos últimos anos, as redes sociais trouxeram facilidades ainda maiores. Porém, a visita é a forma mais marcante de comunicação. Ela é direta, sem meios, sem ruídos e sem filtros. Pelo telefone fica fácil dizer que se está bem, mas estando diante da face do outro, a minha expressão facial denuncia a real situação.
O segundo valor que desponta é a atitude de Maria que se dispõe a escutar as palavras do ilustre visitante. Diz a sabedoria popular que temos dois ouvidos e uma boca, exatamente para escutar mais do que falar. Permitir que a pessoa que vem ao meu encontro se expresse plenamente, dar-lhe total atenção, diminuir ou até eliminar interferências requerem um grande e consciente esforço. Escutar é a primeira atitude de respeito para com o visitante. A escuta autêntica requer a disposição de todo o corpo do ouvinte. No imaginário comum o sábio é descrito pela sua capacidade de ouvir muito e de falar pouco, portanto é uma referência educativa.
Jesus diz à Marta: “Tu te preocupas e andas agitada por muitas coisas”. Vivemos entre o necessário e o supérfluo. O necessário se for negligenciado fará falta e trará prejuízos. O supérfluo é supérfluo e pode ocupar muito tempo da vida, sem acrescentar algo significativo. É o ativismo. Fazer muitas coisas e deixar de lado o essencial. Estressar-se com coisas desnecessárias e inúteis. Se é hora de escutar alguém, não é hora de fazer outra coisa. Ocupar-se demasiadamente com coisas secundárias gera um cansaço que não satisfaz e provoca um sentimento de inutilidade.
Depois Jesus elogia Maria que “escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada”. O que ninguém tira? O que tem valor duradouro? Todo tempo que um casal dedica para se cultivar, para dialogar, para se escutar mutuamente, para estar simplesmente um ao lado do outro, nunca será tirado. Todo tempo que os pais dedicam para escutar os filhos, brincar com eles, acompanhar seu desenvolvimento, estarem presentes nas horas mais decisivas nunca será tirado. Todo tempo dedicado para visitar os amigos e partilhar alegrias e dores nunca será tirado. Todo tempo dedicado para escutar alguém que tem necessidade de falar de suas dores e angústias terá um valor eterno. Todo tempo dedicado para cultivar a fé, para sentar aos pés de Jesus e escutar a Palavra de Deus, para rezar individualmente, para participar da missa ou do culto com os irmãos na fé é a melhor parte que nunca será tirado.
+ Dom Rodolfo – Arcebispo de Passo Fundo