Missão da Igreja junto ao povo negro
O desafio missionário tem sido constante desde a existência da Igreja. A missão é parte da identidade da Igreja. Segundo o decreto conciliar Ad Gentes a Igreja peregrina é por sua natureza missionária. Pois ela se origina da missão do Filho e da missão do Espirito Santo, segundo o desígnio do Pai (AG 2). Na Palavra de Deus encontramos o mandato deixado por Jesus ao grupo dos discípulos (cf. Mt 28,16-20; Mc 16, 15-20; Jo 20, 19-23). O ressuscitado se manifestou ao discipulado e os enviou em missão para dar continuidade a sua obra.
A experiência de missão pode ser uma experiência de amor, de oferecimento e recebimento de dons. Há muito que dar e temos muito que receber. O diálogo, a compreensão do outro e da sua história ajudam a fazer a interação missionária plasmada pela gratuidade para um caminho de crescimento e fortalecimento na fé. A abdicação destes princípios compromete a missão naquilo que caracteriza enquanto anúncio da Boa Nova de Jesus Cristo.
Desde o começo da Igreja a missão abriu-se à universalidade. Jesus, o primeiro missionário do Pai, atendeu e abriu os horizontes de sua atividade evangelizadora à medida da sua itinerância na Palestina. Foi, porém com os primeiros discípulos e as primeiras comunidades cristãs, na inspiração do Espírito Santo (At 2, 9ss; 10,44ss; 13, 1-5), que se abriu um grande caminho para a missão ad gentes, além-fronteiras e para a universalidade.
O desafio missionário em terras brasileiras, em fidelidade à trajetória missionária da Igreja, compreende também o diálogo com o povo negro, os afro-brasileiros. Num primeiro momento este encontro foi difícil, marcado pelo projeto escravagista do período colonial e imperial; e, salvo iniciativas pontuais, a Igreja teve dificuldades de se colocar contra a escravidão dos afro-brasileiros. Ficaram marcas profundas nos negros e também na Igreja. Aquela experiência missionária primeira há de ser superada por outra mais comungante com a proposta de Jesus. A tarefa missionária cristã encontrar-se-á com a cultura negra, seguindo a sugestão do Beato Paulo VI na exortação Evangelii Nuntiandi que o evangelho não negue a cultura, mas a penetre e a transforme a partir dela mesmo, a partir de dentro. A necessária inculturação do evangelho é o primeiro passo neste encontro missionário porque o evangelho e a cultura não são incompatíveis. Ele pode impregnar e transformar todas as culturas (cf. EN 20).
Um segundo passo compreende a leitura do contexto de vida dos afro-brasileiros. Os dados censitários colocam os negros como aqueles que ainda vivem grandes dificuldades quanto à sobrevivência. Lembro aqui a educação, acesso à saúde, acesso ao emprego e renda, à moradia digna. Esta situação é fruto da trajetória histórica do Brasil, especialmente dos mais de três séculos de escravidão. É necessário contemplar este quadro difícil nas iniciativas missionárias porque é critério de fidelidade ao Evangelho de Jesus. Assumir o compromisso de ser uma Igreja misericordiosa, advogada da justiça e defensora dos pobres (cf. DAp 395),entre os quais está o povo negro. Ela vai exercer o papel de cuidadora, sanando aos tantos feridos com o óleo da misericórdia e compaixão.
O terceiro passo do compromisso missionário atende a uma característica da Igreja desde o seu nascimento. Ser servidora (cf. Jo 13, 13ss). A consciência de servir alerta para a pergunta sempre necessária de como está sendo desempenhado este compromisso.O serviço é prestado com gratuidade, sobretudo àquela parcela mais fragilizada, com a sua sobrevivência física ameaçada,onde está o povo negro. A atitude de serviço passa pela solidariedade e compromisso que vai além das palavras, mas também compreende colocar as estruturas eclesiais a serviço da causa dos negros.
No serviço a Igreja revela uma certa “parcialidade” que tem incomodado muita gente, contudo a crítica e a negação também aconteciam no tempo de Jesus (Lc 15, 1s). No serviço aos prediletos de Deus a Igreja está realizando a sua missão e fazendo a vontade do Pai.
Um quarto passo da missão junto ao povo negro compreende a superaçãodo preconceito e acolhidadas formas de vivência da fé próprias de uma caminhada particular. Ao longo dos séculos de existência a Igreja foi interagindo com diferentes culturas e, de certa maneira, assumiu algumas riquezas destas culturas que não foram impedimento a sua caminhada de fé e fidelidade a Jesus Cristo.
Esta proximidade e diálogo também acontece com a cultura dos afro-brasileiros. O Documento de Aparecida ilustra bem este propósito quando reconhece a riqueza da cultura afro-americana. Diz o texto: os afro-americanos se caracterizam, entre outros elementos, pela expressividade corporal, o enraizamento familiar e o sentido de Deus (DAp 56). Acolher esta riqueza não se faz impedimento à fidelidade ao evangelho de Cristo. É um caminho de enriquecimento e diálogo cultural.
Uma Igreja em saída missionária coloca-se ao lado dos negros como companheira de caminhada e faz desta atitude uma marca da sua missão. Que o Espírito Santo continue inspirando e a ajudando a assumir este desafio.
Pe. Ari Antonio dos Reis