Naquele dia, jorrará uma nascente…

A História do Povo de Deus traduz as dificuldades próprias de quem caminha nas tensões de confiar mais nas próprias forças do que na graça de Deus. Por este motivo, todas as vezes que o Povo de Deus confia mais em si mesmo do que em Deus, a sua experiência leva-o à mais profunda tristeza, à solidão, à aridez e, em alguns casos, à escravidão. Esta dificuldade constante do homem que crê faz com que Deus, na Sua infinita Misericórdia, procure permanentemente o Homem. Na plenitude dos tempos quis Deus enviar o Seu próprio Filho, nascendo num tempo concreto e específico para que a Salvação pudesse consumar-se em favor da Humanidade. A profecia de Zacarias (Zacarias 12,10-11;13,1), lida hoje na 1ª Leitura da Missa, não se concretiza no tempo do profeta, mas no tempo esperado, no tempo de Jesus. Deste modo, em Jesus, reconhecemos a Nascente de águas vivas que jorra para a humanidade. A aridez da caminhada das nossas vidas, as incertezas de por onde é o caminho, a amargura de quem desfalece e a estagnação da vida em que muitos se encontram, leva-nos a olhar como, desta Nascente que é Jesus, surge a única esperança e a única certeza.

Pelo Batismo, somos revestidos de Cristo, como nos ensina São Paulo na segunda Leitura deste Domingo (Gálatas 3,26-29). De muitos outros modos, São Paulo tenta explicar o significado do Batismo que, em última instância, nos faz perceber que este Sacramento não é um processo de fidelização a uma entidade, mas uma nova vida, enxertada no próprio Filho de Deus, configurada nele, compreendida à luz dele e assumida nele. Por isso, pelo Batismo, damos início a uma nova forma de compreensão da nossa existência humana, ao ponto de nos determos na expressão máxima do que herdamos do Mistério de Cristo: sermos filhos no Filho. Se pertencemos a Cristo, todas as referências do mundo se fazem secundárias, pois esta pertença nos impulsiona a contemplar a benevolência de Deus a fazer-nos participantes da Vida em Cristo, Seu Filho. E porque somos participantes da vida em Cristo, então participamos da condição de nos sentirmos e vivermos na certeza e na gratidão, de sermos assumidos por Deus, como seus filhos. Como tal, tudo o demais se torna secundário, pois ao olharmos ao nosso Pai do Céu compreendemos que a nossa vida já vive com um novo critério, com novas exigências e com o olhar posto na Sua promessa.

No Evangelho de hoje (Lucas 9,18-24) vemos como é nítida a diferença de conceitos e compreensões que existiam, da parte das multidões e dos discípulos, acerca de Jesus. Na verdade, a referida pergunta de Jesus aos discípulos: “E para vós, quem sou eu?” não é fútil ou superficial, mas é um desafio e uma provocação aos discípulos de todos os tempos. Facilmente podemos sentir-nos levados a uma experiência cristã à luz de afetos ou intelectualismos. Por isso, a pergunta de Jesus leva os discípulos a questionar-se sobre o ser de Jesus. Mais do que olhar a conceitos, a idealismos ou a preconceitos religiosos, Jesus leva-nos, à semelhança de Pedro, a determo-nos em quem é Ele! Jesus não é uma ideia, nem mesmo uma simples figura histórica do passado. Pelas palavras de São Pedro temos a resposta mais satisfatória: Ele é o Filho de Deus esperado desde todos os tempos para consumar a Salvação. A resposta do Apóstolo São Pedro não é consequência de estudos teológicos ou de uma simples amizade oportunista, mas sim fruto da sua intimidade com o Senhor. Também, hoje, em que as multidões falam muito sobre Jesus, é necessário perceber que só é possível obter esta resposta na medida em que entramos em intimidade com o Senhor, em que procuramos estar com Ele, falar com Ele e olhá-lo na Eucaristia e no Sacrário. A resposta a Jesus requer que O conheçamos, mas só é possível conhecê-Lo quem antes permitir que Ele entre na sua vida.

+ Dom Antonio Carlos Rossi Keller