Narrar o sentido da vida

A narração não é somente para as crianças, mas um modo de encontrar o sentido da vida, um jeito de fazer com que a mesma história, contada de geração em geração, possa comunicar e integrar-se na vida das pessoas. Numa narração, sentimo-nos envolvidos. Parece que foi contada exatamente para nós. Por isso, na formação das crianças, os pais contam histórias aos filhos. Neste ano, para o 54º Dia Mundial das Comunicações Sociais, o Papa Francisco escreveu sobre a “narração”: “Para que possas contar e fixar na memória” (Ex 10,2), a ser celebrada no dia 24 de maio. “As narrativas marcam-nos, plasmam as nossas convicções e comportamentos, podem ajudar-nos a compreender e dizer quem somos”, diz a Mensagem. A vida é feita de fatos, de pessoas, de lugares e do tempo próprio, que merecem ser conhecidos e serem contados.

Em tempos onde os fake News tem cada vez mais espaço, sobretudo expandidos pelas redes sociais, faz-se necessário acreditar e proclamar a “sapiência para patrocinar e criar narrações belas, verdadeiras e boas. Rejeitamos as narrações falsas e depravadas”. As histórias recontadas conseguem manter um fio comum, um sentido para a vida humana, mesmo em meio às “lacerações de hoje”.

A grande história de Deus conosco está narrada na Sagrada Escritura. A Bíblia é uma narração do amor de Deus pela humanidade. Nos mostra um Deus que é criador e narrador. Ele pronuncia a sua Palavra e as coisas existem. A Palavra de Deus tem força e realiza o que narra. Ao falar a Deus, o homem bíblico também conta sua história. O salmista diz: “Tu modelaste as entranhas do meu ser e teceste-me no seio de minha mãe. Dou-Te graças por me teres feito uma maravilha estupenda (…)”(Sl 139/138, 13). A experiência do Êxodo nos ensina que o conhecimento de Deus se transmite contando, como é feito na ocasião da ceia pascal judaica, “para que possas contar e fixar na memória do teu filho e do filho do teu filho” (Ex 10,2). “O Deus da vida comunica-se, narrando a vida”. Os fatos bíblicos precisam ser conhecidos, contados, para serem fixados na memória e calar no coração. As narrações da vida de Jesus, por exemplo, seja sua vida ou suas parábolas, nos configuram a Ele, “entra na vida de quem a escuta e a transforma”. A narrativa, normalmente, questiona, acolhe e inclui. A história de Cristo é nossa história. Por isso, Jesus nunca é passado, é sempre presente. Nele “Deus tomou a peito o homem, a nossa carne, a nossa história, a ponto de Se fazer homem, carne e história”.

Enfim, a Mensagem nos fala que a narração das histórias renova a nossa vida. Sobretudo quando são contadas as histórias da Bíblia, da vida dos santos e as histórias da literatura de “textos que souberam ler a alma do homem e trazer à luz a sua beleza”. Quem faz isso é “o Espírito Santo que fica livre para escrever no nosso coração, renovando em nós a memória daquilo que somos aos olhos de Deus”. O segredo é que interiorizamos o personagem e a visão do narrador, encontramos nela vida e nas histórias contadas, como se tivessem sido escritas para nós. “Narrarmo-nos ao Senhor é entrar no seu olhar de amor compassivo por nós e pelos outros”, diz nosso Papa.

Dom Adelar Baruffi – Bispo Diocesano de Cruz Alta