“Nós temos que transformar a democracia na vida diária”, afirmou Alfonsin

O procurador estadual aposentado e advogado de movimentos populares, Jacques Távora Alfonsin, proferiu uma palestra na manhã de quinta-feira, dia 08 de junho de 2017, na Assembleia da Ação Evangelizadora do Regional Sul 3 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), no Centro de Espiritualidade Cristo Rei, em São Leopoldo (RS).

IMG_1111Jacques Távora Alfonsin é mestre em Direito pela Unisinos, procurador do Estado do Rio Grande do Sul, aposentado e ex-professor da disciplina de Direito Civil, do curso de Direito da Unisinos, é consultor jurídico e advogado de movimentos populares, como o MST e várias ONGs ligadas aos direitos humanos: catadores e sem-teto, que defendem alimentação, moradia e ambiente saudável para o povo pobre.

Na ocasião, concedeu entrevista exclusiva para a Assessoria de Imprensa do Regional Sul 3 da CNBB:

Como o senhor analisa o atual contexto social brasileiro?

Se analisarmos bem os três pilares que sustentam qualquer governo, seja ele democrático ou não, o povo, o território e o governo. Esses três pilares hoje estão em caos. Cabe a nós, a Igreja, sempre colocar esse modelo em comparação ao projeto de Jesus Cristo, de construção de seu Reino. O reino da verdade, da justiça, do amor e de paz. E ver em que medida as instituições públicas do estado estão sendo fiéis às balizas da construção do Reino.

Em que medida o povo está sendo abandonado pelas instituições?

O governo que não se legitima mais pelos retrocessos sociais que estão sendo introduzidos na nossa legislação, na Constituição Federal. Aquelas leis que afetam diretamente os direitos sociais do povo. O nosso território está sendo ameaçado por leis apoiadas pela Banca Ruralista (Medida Provisória 759). Com isso estamos negando a soberania de nosso território.

Os Movimentos Sociais têm encontrado apoio e espaço?

Os movimentos sociais estão encontrando espaço e apoio em várias dioceses. É um apoio significativo de contestação, inclusive da própria CNBB pelo posicionamento dos bispos. Embora a mídia tenha desconsiderado.

E a ocupação das escolas pelos estudantes?

A ocupação das escolas pelos estudantes mostrou que os jovens e adolescentes não se conformam com o quadro de desconstrução dos direitos sociais.

E o sistema econômico capitalista?

O Capitalismo se constituiu numa nova religião. E tem um deus que é o dinheiro. Em nome do qual as finanças do mundo inteiro estão tendo um poder muito superior ao poder do estado. O estado hoje não manda mais praticamente em nada em relação ao povo e seu território. Frente a esta idolatria do dinheiro, o desafio da Igreja é justamente fazer aquilo que Jesus fez quando lhe foi exibida a moeda de César: “Daí a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. Isto é, uma oposição a um deus idolátrico como este do dinheiro.

A representação democrática faliu?

A representação democrática está falida. Isso não é só eu quem digo. Os antropólogos estão mostrando que a nossa democracia representativa esta viciada porque o financiamento das campanhas eleitorais, seja pelo Caixa 2 ou por uma permissão legal, pois quem é eleito não está lá para representar os direitos do povo. Eles estão mais preocupados com a próxima eleição para se manter no poder. Isso é a própria negação do poder segundo Jesus Cristo. O poder de Cristo não é um poder de dominação, mas de serviço prestado aos mais pobres, às vítimas das injustiças sociais.

Por que as pessoas de ‘bem’ não querem ingressar no mundo da política?

Este é um erro trágico. A política ainda é vista preconceituosamente como uma coisa suja, quando ela decide até o preço do sapato. O mercado vota todos os dias. Nossa democracia se manifesta cada dois e quatro anos com as eleições. Nós temos que transformar a democracia na vida diária. Isso não é feito sem a participação de todos. Inclusive daqueles que estão acomodados na condição de telespectadores só sofrendo os efeitos daquilo que eles se queixam. Não há nada mais desmoralizante numa pessoa do que fazer um protesto sem proposta. Quem protesta tem que saber propor. O que vem depois é obrigação do povo saber.

A Igreja diz que foi traída por algumas lideranças na política. A igreja também não tem acompanhado os católicos eleitos. O que o senhor diz sobre isso?

É verdade! De um lado e do outro ouve falhas. A proposta inicial da criação do Partido dos Trabalhadores (PT) era que as Comunidades Eclesiais de Bases serviriam como uma fonte de inspiração. Mas quando o PT começou a ter mais poder e ocupar o poder público institucionalmente, esqueceu as Comunidades de Bases. Ficou escravizado pelos vícios do poder. De outra parte as Comunidades de Bases também desanimaram. Ouve deserção de grande parte dos militantes. Agora estão se dando conta e voltando com força diante do golpe que foi institucionalizado para ocupar seu lugar como construtores do Reino de Deus.

 

Por Judinei Vanzeto – Jornalista

Assessoria de Imprensa do Regional Sul 3 da CNBB

Entrevista realizada no dia 08.06.2017

 

 

 

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