Nossa Galileia
Quando o evangelizador cultiva em si, com sua comunidade, o desejo do anúncio do Evangelho, em primeiro lugar projeta: a quem iremos? O tempo da pandemia está servindo de purificação de nossa fé e de nossa vida cristã. Como vivemos a fé e a caridade? Tivemos alguns contratempos e desafios ao interno da própria Igreja. Então, não faltaram os que quiseram abandonar O Caminho, Ele, Jesus Cristo. Outros, olhando a realidade da Igreja, que somos nós, pensaram que é preciso distinguir o Caminho e as dificuldades encontradas no cotidiano. Somos um em Cristo! O certo é que a Palavra de Deus foi e continua sendo para o homem de hoje, fonte de sentido para a vida e para as ações cotidianas. É claro que o testemunho é importante, mas mais importante é o evangelho redentor de Jesus Cristo.
Vivemos um tempo propício para semear, para o anúncio da Palavra. A situação que vivemos neste ano pede uma especial atenção à dimensão humana. Sim, o humano, que sempre esteve na base da evangelização, seja pela pobreza, sofrimento, meio ambiente, relações fraternas, já tão conhecidas, agora pede que nos voltemos para o humano essencial, a busca do sentido. A pandemia sacode e põe em crise as estruturas humanas existentes. Quem consegue aproveitar este tempo, como um momento da graça de Deus, nunca um castigo divino, percebe que, não obstante os sofrimentos pela doença e pela pobreza, conseguimos viver de modo mais simples e fraterno. Aproveitamos para viver a solidariedade. Vivemos nossa fé na família, com todas suas contradições. Conseguimos abrir o olho para ver o sofrimento dos outros. Mas, o que dá sentido a este momento que estamos vivendo? De fato, o ser humano está à procura, ele não se basta a si mesmo. Estou convencido de que a Galileia de hoje, onde devemos procurar Deus, é este grupo dos “à procura”, com o ouvido atento.
“Sois vós, ó Senhor, o meu Deus! Desde a aurora, ansioso vos busco! A minha alma tem sede de vós, minha carne também vos deseja, como terra sedenta e sem água!” (Sl 62). O tempo da pandemia produz sede, porque deixa descoberto o sentido da vida. Tira as seguranças que tudo está bem, que basta continuar a caminhar assim, num “mundo doente”, nos disse o Papa Francisco. É preciso deixar falar este salmo citado acima: existe uma busca de Deus no coração humano, que por si só nunca irá conseguir. Deus nos oferece esta possibilidade, no seu Filho Jesus Cristo, “caminho, verdade e vida” (Jo 14,14). Ele nos procura e vem a nós! É tempo de anunciar com alegria, nunca por proselitismo, mas para partilhar a vida com quem ainda não o encontrou. Mas, mais ainda, não se trata de dar uma receita pronta, mas de estar próximo das pessoas, sobretudo dos jovens, nas suas buscas cotidianas. Acompanhar seu caminhar. Saber ouvir, mais do que dizer. Ser tolerante com quem ainda não soube internalizar o evangelho. Fazer-se caminho com quem está caminhando. Recordo a famosa poesia de São João da Cruz, na “Subida ao Monte Carmelo” que inicia dizendo: “Em uma noite escura, com ânsias, em amores inflamada, ó ditosa ventura! Saí sem ser notada, estando já minha casa sossegada”.
Concretamente, a religião deve cumprir sua identidade: re-ligar. Oferecer sentido à vida, que não vem de si mesma, mas da comunhão com Deus, que vem a nós sempre, e com os irmãos. Mais do que transmitir a herança dogmática da fé, que também tem seu valor, é importante fazer-se pequeno e caminhar junto. Apontar caminhos onde encontrar-se com Aquele que sabemos que nos ama. Dar testemunho de uma vida de oração continuada, cotidiana, na comunhão com Deus, dialogando com Ele, pois, como diz Santa Teresa, oramos porque “sabemos que nos ama”. A nossa Galileia hoje é o lugar humano onde se encontram os que estão à procura de Alguém que os ame! Saber-se amado e amar sempre é o sentido fundamental da vida humana.
Dom Adelar Baruffi – Bispo Diocesano de Cruz Alta