Novo Ensino Médio. Para quem?
Vemos frequentemente veicularem, nos Meios de Comunicação Social, informações quase sempre vazias de conteúdo que mais parecem um delírio aventureiro do que algo sério a ser tratado com a devida consideração por educadores e gestores. Por todos os lados enuncia-se o “tal” Novo Ensino Médio. A propaganda centrada num discurso ilusório de que o estudante poderá escolher os itinerários a trilhar, porque ele é o responsável pelo próprio futuro.
Conhecendo por dentro a realidade das escolas e também das salas de aula, sinto-me angustiado por perceber a inconsistência do que se pretende dar a entender, ou melhor, da ilusão que tem representado todo esse movimento. A confusão é tamanha que nem mesmo os órgãos responsáveis pela educação conseguem definir e legislar sobre o assunto. Assim, vamos remando em tentativas que nada mais fazem do que tatear ou elaborar rascunhos provisórios, sem a certeza de que serão acolhidos e chancelados por quem tem o poder de aprová-los.
Todo processo educativo deveria, em última instância, favorecer o acesso e a democratização dos saberes e das competências a todos os cidadãos, a fim de se apropriarem dos pré-requisitos essenciais para garantirem sua sobrevivência e contribuírem efetivamente em todos os espaços da sociedade. Entretanto, é ilusório imaginar que um adolescente, ainda que possivelmente orientado por seus pais e professores, consiga definir (optar) por itinerários formativos sem antes ter consciência do que isso implica.
A impressão que temos é que, salvo melhor juízo, no Brasil tudo começa pelo avesso. Essa tendência já consolidada de colher opiniões, sem que as pessoas saibam o que está sendo perguntado e quais as consequências advindas de certas escolhas tem produzido inúmeros “Frankesteins”, especialmente no mundo da educação.
Reconheço o trabalho incansável de inúmeros pesquisadores e demais agentes do universo da educação em projetar uma educação que diminua as distâncias e promova não apenas a qualidade do ensino, mas ainda a possibilidade dos mais desfavorecidos serem contemplados em suas demandas, abrindo-lhes espaço para o crescimento humano, intelectual e de toda ordem. Entretanto, a maneira como se está construindo o Novo Ensino Médio, tão propalado nos mais diferentes setores da sociedade, não diminuirá a distância entre os que têm tudo ao seu dispor e os que não são nem reconhecidos como sujeitos sociais.
A educação não precisa de remendos nem de placebo. Faz-se necessário uma profunda transformação nas estruturas que, quase sempre, constroem currículos descontextualizados e fora do alcance da maioria dos estudantes, dando a ideia de que tudo é acessível a todos. Falar de educação construída a partir do diálogo, sem que todos tenham claro sobre o que estão dialogando é engano ou autoengano. Para que haja interação autêntica todos precisam saber o que estão escolhendo, qual o preço a pagar pelas escolhas e quais as vantagens. A pergunta que não cala: todos os alunos/seus responsáveis têm condições de optar por um itinerário formativo? Estão cientes do que isso importa?
Afinatti, professor italiano que optou por ser transferido para a periferia, a fim de trabalhar com crianças e jovens em situação de alta vulnerabilidade, afirma que , atualmente, “[…] as crianças são abandonadas a uma dialética vazia, sem obstáculos a superar. Os professores são as únicas pessoas capazes de lembrá-las do valor de serem sérios, austeros e concentrados numa sociedade que privilegia beleza, saúde e riqueza.” Eu, que sou professor, tenho refletido frequentemente sobre o que oferecemos e sobre o que realmente os alunos precisam, sobre o quanto nossa educação tem sido efetiva no que diz respeito à mediação de saberes e no desenvolvimento das capacidades plenas do ser humano. Não basta trocar o velho ensino médio pelo Novo Ensino Médio. É necessário muito mais do que isso, é urgente um movimento interno e externo de revalorização da educação, dos professores e uma reflexão muito sincera sobre o tipo de sociedade que sonhamos, desejamos e efetivamente estamos construindo.
Prof. Dr. Rogério Ferraz de Andrade