O bom samaritano

É muito familiar a parábola do “bom samaritano”, texto da liturgia católica deste domingo. Ela é uma resposta à pergunta teórica, “e quem é o meu próximo?” Progressivamente, o desenrolar da parábola vai tomando um rumo surpreendente e a resposta ganha um cunho subjetivo, convidando a “tornar-se próximo”. Jesus joga o ouvinte existencialmente para a pergunta que compromete: “Como se é e como fazer-se próximo?” Não perguntar quem é o próximo, mas fazer-se próximo de todos, derrubando as barreiras e toda discussão abstrata.

O frio intenso dos últimos dias trouxe visibilidade a esta questão. Um grande número de “moradores de rua”, “em situação de rua”, ou a definição teórica que quisermos dar, provocaram o assunto dentro do espírito da parábola. O frio fez com que estes próximos necessitados deixassem de ser objeto de abstração, de debate ideológico, sociológico, político, de rivalidade esportiva para serem ajudados existencialmente, concretamente, assim como termina a parábola do bom samaritano: “Vai e faze a mesma coisa”.

Este grupo de pessoas necessitadas, os “próximos”, são a ponta de um iceberg que passou frio nestes dias. Visitando uma escola num bairro periférico da cidade, a diretora relatou do frio que passava uma aluna. Depois de receber vários agasalhos, já sorridente, foi ao encontro da diretora e confessou, “agora está quentinho”. Não faltam relatos de pessoas que passaram frio e também daquelas que foram ajudadas amenizando o seu sofrimento.

As múltiplas iniciativas de ajuda nestas situações emergenciais sejam elas individuais, de grupos espontâneos, de Igrejas, de organizações da sociedade civil ou governamentais revelam a sensibilidade para a solidariedade e a capacidade “de fazer-se próximo”. Sempre serão válidos e necessários o aproximar-se em situações emergenciais, mas não se pode esquecer que existem uma infinidade de pessoas e instituições, que no silêncio e de forma permanente, prestam esta solidariedade Todas as provocações, pedidos para doar, para partilhar são necessários e fazem bem às pessoas e a toda sociedade.

Já existe uma generosa atenção nestas situações de grande necessidade que vão aparecendo na história humana, devido à fragilidade da condição humana, que merecem atenção especial. Sem deixar de atender situações particulares, é preciso fomentar e desenvolver na sociedade uma convicção por justiça social. Aqui merece atenção outro ensinamento fundamental de Jesus Cristo, “buscai em primeiro lugar o reino de Deus e a sua justiça”. Portanto, o tema da justiça é fundamental.

Estruturas sociais injustas geram marginalizados, assim como estruturas justas geram inclusão onde as necessidades básicas são atendidas permanentemente. O tema da Campanha da Fraternidade, de 2019, “Fraternidade e políticas públicas” apontava para o art. 6º da Constituição brasileira: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. Explica o Compêndio da Doutrina Social da Igreja: “A justiça social, exigência conexa com a questão social, que hoje se manifesta em uma dimensão mundial, diz respeito aos aspectos sociais, políticos e econômicos e, sobretudo, à dimensão estrutural dos problemas e das respectivas soluções” (202). O pensador John Rawls, grande pensador nesta área, apontou três princípios para maior equidade social: garantia das liberdades fundamentais para todos; igualdade de oportunidades; manutenção de desigualdades apenas para favorecer os mais desfavorecidos.

Dom Rodolfo Luís Weber
Arcebispo de Passo Fundo
12 de julho de 2019