O dolorido mas necessário aprendizado deste tempo
Há pouco mais de duas semanas o Brasil iniciou mobilizações e ações de como enfrentar a pandemia do coronavirus (Covid-19) que já atingiu fortemente inúmeros países no mundo. Em um momento como este, há muita tensão, incertezas e não há respostas prontas. Mas faço um convite para algumas reflexões sobre os impactos, especialmente emocionais de todo esse cenário.
É fato que o impacto inicial deste momento será diferente em cada sujeito. Quando uma situação crítica, de crise ou algo adverso impacta o ser humano produz efeitos diversos. Em alguns as repercussões são de paralisia, em outros desespero e ações impulsivas como sair comprando tudo pela frente ou colocando a vida em risco com condutas perigosas (abuso de substâncias, direção perigosa, tentativas de suicídio etc.). Outros utilizam medidas que minimizam a percepção do real cenário, semelhante a se deparar com um leão faminto e dizer que deve ser apenas um gatinho e há os que apesar de sentir medo, confusão e angústia, em alguns momentos, ao acessarem seus recursos emocionais pessoais conseguem processar, compreender o que está ocorrendo e, aos poucos, definir o que precisa ser feito e ainda conseguir gerar aprendizados importantes para a vida e bons questionamentos. Evidente que cada sujeito possui tempos diferentes de compreender quando algo adverso surge.
Este cenário mostra também que as ações do ser humano até podem fazer diferença quando ocorrem de modo isolado, mas se percebe o quanto a mobilização que alie união, solidariedade e cooperação possuem um poder incrível. Certamente, o mundo e seus habitantes não serão os mesmos depois do “sacudão” que o coronavírus impôs. A existência do ser humano na terra dá fortes indícios de que precisa passar por uma revisão e, esse momento que exige reclusão e introspecção como medidas protetivas, pode ser um excelente momento para isto. É claro que o automatismo que tomou conta do estilo de vida do ser humano, o consumo desmedido, a exploração da natureza sem precedentes, a eleição de prioridades baseadas mais no ter ao ser foram escancaradas para quem se arriscar e suportar se dar conta. O mundo já sofre com consequências de tudo isso muito antes deste inimigo invisível aparecer.
O isolamento social além de ser uma medida protetiva pode ser um excelente tempo de reflexão de como está a qualidade das relações com as pessoas de nosso convívio mais direto: pais, filhos, cônjuges, … Por mais estresse que a situação atual proporcione, a percepção do que cada um estava fazendo até o momento e como pode posicionar-se diferente pode literalmente mudar as trajetórias das famílias e de cada sujeito. É tempo de criar, de reinventar-se, de acessar espaços de brincadeiras (do lúdico), de buscar informação, mas não de modo excessivo, de refletir sobre o modo como cada um cuida do seu corpo (alimentação, exercícios …), de acolher-se, acalmar-se, respeitar-se, respeitar, deixar a culpabilização e a alta exigência de lado e ter a esperança como companheira para caminhar ao lado.
Para fazer frente ao isolamento social temos recursos – infelizmente nem todos ainda têm acesso à internet. Mas, aos que isso é acessível, que as ferramentas tecnológicas de informação e comunicação possam proporcionar encontros, reflexões, novas descobertas, novas possibilidades de trabalho e na economia, especialmente se funcionarem como facilitadoras para as conexões necessárias com equilíbrio e serenidade.
Todos teremos perdas e cada um as suas dores, mas é preciso arcar, lidar e aprender com elas e seguir. Certamente há muito para ser processado, assimilado e compreendido, mas este é um lindo tempo de aprendizado se puder ser aproveitado. Ao mesmo tempo, este cenário lembrou ao ser humano seu estado de desamparo, que possui fragilidades e vulnerabilidades, que não é possível ter o controle de tudo o tempo todo e que não pode tudo, mas nem por isso não há nada a fazer, desejar, alcançar e construir, até porque são todos esses elementos que constituem a condição humana.
Adoraria um feedback sobre as ideias que compartilhei neste pequeno texto, deixo também meu Instagram: michele_poletto para seguirmos juntos e em casa.
Por Michele Poletto
Psicanalista, psicóloga, doutora e mestre em Psicologia, docente universitária