O Pão descido do céu
As murmurações do Povo de Israel, descritas na 1ª Leitura deste domingo (Êxodo 16,2-4.12-15), muitas vezes revelam como o ser humano pode facilmente se resignar. A partir da história do cativeiro no Egito, sabemos que a escravidão imposta ao Povo de Israel não poderia proporcionar uma vida agradável ou fácil. O próprio Senhor indicou a Moisés que ele deveria salvar seu povo porque Deus ouviu o clamor e o sofrimento desse povo. Assim, a experiência de escravidão do Povo de Israel, como em todos os casos de escravidão, demonstra não haver respeito ou critério para quem pratica a tirania e a exploração. A escravidão é sempre um mal. Vivemos em um mundo que prefere a pobreza, a indignidade e a mediocridade, desde que isso não complique demais nossas vidas ou exija algo mais sério de nós. Uma vida de desafios, confiança e exigência é, hoje em dia, uma realidade assustadora. O mesmo acontece com os cristãos, que muitas vezes tentam resumir sua vida de fé a uma prática cristã aceitável e socialmente normal, distanciando-se dos desafios do deserto e da entrega mais generosa à vontade redentora de Deus.
Pelo Batismo, conforme nos ensina São Paulo na 2ª Leitura (Efésios 4,17.20-24), deixamos de lado o homem velho para nos revestirmos do homem novo. No entanto, a sensação de que o Batismo é algo adquirido e do passado, e não exige mais nada de nós, leva a uma vida em desacordo com as exigências desse sacramento. Receber a condição de homens novos no Batismo deve nos conscientizar de que toda a vida do cristão deve ser vigilante, procurando não perder a novidade de nossa humanidade redimida, ou seja, não voltar à condição de homem velho. Hoje, São Paulo nos adverte sobre a necessidade de nos renovarmos, referindo-se à necessidade de assegurar a novidade dessa condição de homem novo, sabendo que essa transformação deve ser fundada no mais profundo de nós mesmos, em toda nossa experiência de vida. Também aqui é necessário compreender como a renovação implica a distância daquela experiência de escravidão narrada na leitura do Êxodo.
O Evangelho de hoje (João 6,24-35) mostra a nítida diferença de conceitos e linguagem usados por Jesus e pela multidão. Para a multidão, a grande referência era a satisfação das necessidades mais básicas, não só porque Jesus havia saciado sua fome, mas também porque o grande milagre que conheciam era o pão que Moisés lhes deu no deserto. A partir dessas referências, é compreensível o motivo que os leva a seguir Jesus, bem como os pontos basilares da fé que os sustentava. Embora pareça fácil, a mudança de conceitos, referências e paradigmas é o grande desafio neste episódio da vida de Jesus. Passar de uma fé baseada em necessidades primárias para uma fé sustentada no ato de crer, acreditar e confiar em Deus e só nele é um caminho exigente e com insucessos esperados. No entanto, a partir do momento em que a multidão toma consciência do incomparável milagre referido por Jesus, já não deseja mais nada senão “esse” pão que o Senhor apresenta: o pão do céu. Atualmente, especialmente em nossas comunidades cristãs, arriscamos perder a noção da novidade e do milagre que acontece em cada Santa Missa. A Missa é o lugar dos milagres que os homens de hoje procuram, e é também essa presença de Jesus entre nós que, com maior intensidade, podemos experimentar e acreditar.
Amemos a Santa Missa.
Jamais deixemos de participar dela aos domingos e, se possível, também durante a semana.
Dom Antonio Carlos Rossi Keller – Bispo de Frederico Westphalen