O princípio de dignidade humana numa perspectiva tomasiana

Gabriel Guilherme Frigo[1]

 

Segundo a antropologia filosófica de Santo Tomás de Aquino, o ser humano é um ser que possui inteligência e vontade, um ser livre e dotado de dignidade desde a sua concepção pelo fato de ser a imagem de seu Criador. Há, na sua argumentação, a explicita concepção de que o ser humano, homem e mulher, é criado a imagem de Deus (factus ad imaginem Dei), e é isto que o distingue das demais criaturas. A natureza própria do ser humano é a racionalidade. “Tanto no homem como na mulher está a imagem de Deus, quanto a aquilo em que, principalmente, consiste a essência da imagem, a saber, a natureza racional” (S. Th. I, q. XCIII, a. IV, ad. I).

Este ponto é fundamental para a compreensão da doutrina tomasiana acerca do princípio e fim da vida humana, id est, do seu princípio teleológico. Dizer que o humano foi criado – foi feito – a imagem do Criador é atribuir um tipo de dignidade superior ao ser humano como é também atribuir elementos do Criador à criatura. Segundo Santo Tomás, dizer que o ser humano é imago Dei é dizer que nele há, como que, propriedades análogas as de Deus.

Não se tratam de propriedades absolutamente idênticas as da divindade. São análogas, ou seja, há similitude entre alguns atributos da essência do ser humano e da divindade. Mesmo porque de Deus nós só O conhecemos imperfeitamente pela razão e mais perfeitamente pela Escritura Sagrada, todavia o divino não pode ser engessado em categorias humanas, significando que a divindade sempre escapará as nossas elucubrações sobre ela. Mas naquilo que podemos atribuir a Deus, mesmo que imperfeitamente, podemos dizer que quando aplicamos o termo imagem de Deus ao ser humano estamos afirmando que este é “[…] dotado de intelecto, de livre-arbítrio e revestido por si de poder”, isso significa que deve-se considerar o homem a imagem de Deus “enquanto ele é princípio de suas ações, possuindo livre-arbítrio e domínio sobre suas ações” (S. Th. I-II, Prologus).

Os Santos Padres, na igreja primitiva, já usavam a expressão, que Tomás pela tradição também se apropriou, “homo capax Dei” (o homem é capaz de Deus) significando, justamente, que o ser humano não é absolutamente igual a Deus nesses atributos, entretanto é capaz de Deus, tem a capacidade de se assemelhar a Deus porque feito imago Dei.

Sendo assim, há no homem um dignidade superior a um simples valor. Afirmar a sua dignidade é afirmar que há nele uma sacralidade inviolável e que, justamente, o torna único e não passível de valoração. Ademais, se o homem possuísse mais valor do que dignidade, alguns poderiam ser tratados como inferiores e outros como superiores, o que, sabemos, pela filosofia de Santo Tomás, todos são imago Dei, todos tem, portanto, a mesma dignidade e não são uns superiores aos outros.

 

Referências Bibliográficas:

 

TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. Tradução de Alexandre Corrêa. Organização de Rovílio Costa e Luis Alberto De Boni. 2. ed. Porto Alegre: EST, Sulina; Caxias do Sul: EDUCS, 1980.

_______. Suma Teológica. Coordenação Geral da Edição por Carlos Josaphat Pinto de Oliveira, OP. Introdução e notas: Thomas d’Aquin – Somme Théologique, Les Éditions du Cerf, Paris, 1984. 3. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2009.

[1] Graduado em Filosofia pela Universidade em Caxias do Sul (UCS), com monografia sobre o pensamento político na obra de Tomás de Aquino, intitulado “Breves elucidações dos conceitos de Civitas e Lex no pensamento político de Tomás de Aquino. Atualmente é mestrando do PPG-Filosofia da mesma universidade, com bolsa CAPES, desenvolvendo uma pesquisa sobre os conceitos justo e justiça em Tomás de Aquino. Tem particular interesse em temas relacionados a filosofia e teologia medieval. E-mail: gabrielfrigo@live.com