Olhar com os olhos do coração!
Estimados irmãos e irmãs em Cristo. A Quaresma é um tempo especial em nosso caminho de fé, para refletirmos sobre a conversão, para fazermos penitência e olharmos a realidade da nossa vida, muitas vezes entregue à escravidão do consumo. Consumo exagerado de comida e bebida, sem olharmos ou pensarmos naqueles que vivem à margem do caminho e na penúria.
Mas existe um lugar no mundo onde pode acontecer algo verdadeiramente novo, que pode mudar a nossa vida. Esse lugar é o nosso coração. Essa novidade acontece quando, libertados do fermento do pecado, passamos a viver os acontecimentos deste mundo tendo presente que somos peregrinos e estamos a caminho da casa do Pai.
Quando aconteceu o extraordinário encontro com Deus, sobre o monte Horeb, Moisés, mesmo tendo encontrado casa e acolhida em Madian, é um homem que está fugindo de si mesmo e do seu passado, pois carrega no coração o peso de ter tirado a vida de alguém (cf. Ex 2,11-22). Ele precisa converter-se, reconciliar-se com a sua vida ferida, e isso aconteceu quando ele tomou coragem e se aproximou de Deus, que se manifestava na sarça que queimava, mas não se consumia. O primeiro passo para a conversão foi dado por Moisés, mas antes que ele desse o primeiro passo, Deus foi ao seu encontro na visão extraordinária do fogo que queimava e não consumia a sarça, mas consumia os pecados e as inseguranças que fizeram Moisés fugir de perto do seu povo.
O pecado nos afasta de Deus e dos irmãos, nos torna errantes neste mundo, nos tira a confiança na misericórdia de Deus, que pode nos salvar, para participarmos do banquete dos eleitos na sua casa. Deus confiava em Moisés, nas suas capacidades para realizar a missão de libertar o povo de Israel da escravidão no Egito. Mas Moisés tinha incertezas e medo, que venceu na medida em que deixou o Senhor tocar o seu coração e conduzir a sua vida. Quem não acolhe o Senhor em sua vida, vive no medo o presente e não tem esperança de salvar a sua alma, é um errante sem rumo, não encontra o caminho que o conduz à casa do Pai.
Um dos grandes obstáculos à conversão é a murmuração, a indiferença no conduzir e cuidar da nossa vida de fé. Não se trata da simples murmuração, mas daquela murmuração que nos impede de sair do nosso imobilismo, da nossa apatia espiritual, dos nossos pontos de vista, para acolhermos a voz do Senhor que nos chama à conversão. A murmuração não só nos impede de nos aproximarmos do Senhor, mas também nos afasta dele e da sua graça.
A conversão é a novidade do coração do homem, capaz de transformar o mundo de um lugar de inimigos em um lugar de irmãos, onde todos são capazes de se darem as mãos para cuidarem da vida, dom e compromisso, e da dignidade da vida dos irmãos. O individualismo e a indiferença são atributos do demônio, mas hoje se fazem presentes e crescem muito na vida das pessoas. Esses atributos provocam na nossa vida a surdez e a cegueira espiritual, fazem secar o nosso coração. Não ouvimos a voz do Senhor que nos chama para anunciarmos o seu Reino e libertarmos os nossos irmãos das injustiças e do pecado que os oprime. Às vezes somos como Moisés, queremos estar perto de Deus, mas arrumamos desculpas para não sermos seus mensageiros e nos comprometermos em ajudarmos os nossos irmãos, para que eles também possam percorrer o caminho que nos conduz à terra prometida, na casa do Pai.
Quando vivemos o nosso batismo, estamos inseridos na vida de Jesus, no seu modo de viver e amar, de relacionar-se com as pessoas, de avaliar fatos, de estar diante do mal e da violência que atinge a nossa sociedade, mas sendo sinal e instrumento do amor e da paz do Senhor. Quando temos a presença do Senhor Jesus no nosso coração, podemos fazer nossos os seus sentimentos. Ele não respondeu o mal com o mal, com murmuração ou com recriminação, mas com o bem, até o ponto de entregar a sua vida, derramando seu sangue na cruz por mim e por ti.
Por intercessão de Nossa Senhora de Caravaggio, nossa mãe, rainha e padroeira de nossa Diocese, vos abençoe o Deus todo poderoso, Pai e Filho e Espírito Santo. Amém.
Tende todos um bom dia.
Dom José Gislon, OFMCap. – Bispo Diocesano de Caxias do Sul