Olhar e coração solidários
A solidariedade, no dizer do Papa Francisco, é como uma virtude moral e um comportamento social, primeiramente praticada pelas famílias na missão educativa. Toda família deve formar os filhos para princípios fundamentais: o amor, a fraternidade, a convivência, a partilha, a liberdade, o respeito, a solidariedade, o cuidado pelo outro.
O Papa fala também da responsabilidade educativa de todos os agentes da cultura e dos meios de comunicação social. Todos têm a missão de cuidar da fragilidade que cresce no meio da sociedade, quando tudo parece diluir-se e perder consistência. Não é servir com características ideológicas, mas com responsabilidade. Não é desenvolver ideias, mas trabalhar a identidade das pessoas.
A palavra solidariedade nem sempre agrada, porque não se restringe a um ato esporádico de auxílio ao outro. Ela é expressão de comunidade, de prioridade naquilo que defende a vida e valoriza as pessoas. É a atitude de quem não se conforma com o império do dinheiro, com o egoísmo sem sensibilidade para com a estrutura de pobreza, desigualdade, falta de trabalho, casa e negação de direitos.
Falar de solidariedade é apelar para a consciência universal e preocupação pelo cuidado com as coisas comuns. Um exemplo citado pelo Papa se refere ao fato de a pessoa ter água em abundância, mas gastar só o necessário, evitando desperdício, para que o outro também tenha para seu próprio uso. Isso é gesto humano e verdadeira consciência solidária.
Os bens criados têm um destino comum. O Papa cita na Fratelli Tutti São Gregório Magno, que diz: “Quando damos aos indigentes o que lhes é necessário, não oferecemos o que é nosso; limitamo-nos a restituir o que lhes pertence”. Como seria importante entender isso. Certamente as atitudes, também com relação ao drama da pandemia que estamos vivendo, seriam outras.
Como ficar indiferente com o que está acontecendo nesses dias com nossos irmãos de Manaus e arredores? Meu amigo Dom Guilherme perguntava em uma reflexão nesses dias passados: Que nação e país é esse onde o LUTO de uns e a FESTA de outros estão lado a lado, onde nada mais atinge a vida destes últimos?
Sem voltar a humanizar os humanos e recuperar a capacidade do LUTO com os ENLUTADOS, podemos ainda nos sentir simples animais?
E conclui: “Ó Senhor, retira do nosso peito o coração congelado de sentimentos e duro como pedras e devolva-nos um coração humano habitado pelo AMOR”. A globalização da indiferença somente será superada com pessoas de olhar e coração solidários ou com globalização do AMOR.
Para refletir: O que precisa ainda acontecer, além da pandemia, para que as pessoas aprendam a lição da solidariedade, da partilha, da compaixão? Como explicar a coexistência do luto com festanças e aglomerações? O que fazer para criar essa consciência capaz de solidariedade? Qual conversão precisamos realizar?
Textos bíblicos: Jn 3, 1-5.10; 1Cor 7, 29-31; Mc 1, 14-20
Dom Jaime Pedro Kohl – Bispo de Osório