Oração e vida
Dom Aloísio Alberto Dilli – Bispo de Santa Cruz do Sul
Continuaremos hoje nossa reflexão, iniciada na semana passada, a partir do evangelho do Bom samaritano (Lc 10, 25-37), quando Jesus ensina, através de comovente parábola, o mandamento do amor a Deus e ao próximo. No texto percebe-se que o sacerdote e o levita, estavam mais preocupados com as normas da Lei e do Templo (Jerusalém) ou ficaram indiferentes diante da desgraça dos outros. Jesus indica a atitude do samaritano como aquela que deve ser seguida, como gesto concreto de amor ao próximo. De repente, alguém poderia perguntar: – “Mas o que mesmo é mais importante, rezar (oração) ou ajudar pessoas na prática (vida); ir aos templos ou praticar as obras de misericórdia”? Ambas são importantes e necessárias, pois a oração (liturgia) conduz à caridade e a caridade necessita da oração. Uma oração sem caridade seria espiritualismo; e uma caridade sem oração tende a cair no ativismo. Não nos servem celebrantes como simples funcionários do sagrado, sem fé e unção em suas ações sagradas; nem cristãos com vivências de fé aparente, sem obras. Para S. Tiago a fé deve vir acompanhada pela prática das boas obras, pela caridade (Tg 2, 14-26). S. João Paulo II afirmava na passagem do milênio: “Se faltar a caridade, tudo será inútil… Nesta página, não menos do que o faz com a vertente da ortodoxia, a Igreja mede a sua fidelidade de Esposa de Cristo” (NMI 42 e 49). As obras traduzem a fé ou, como diz S. Paulo, é a fé que age pelo amor, ou ainda, a fé professada pela boca é acolhida no coração, traduz-se na vida (Gal 5, 5-6 e Rm 10, 9-10). Contribui para a compreensão desta relação mútua entre oração e obras de caridade o que nos afirma São Vicente de Paulo: “Quando se tem de deixar a oração para ir prestar assistência a um pobre em necessidade, na realidade a oração não é interrompida, porque ‘se deixa Deus para ir estar com Deus” (VC 82). Quando acentuamos nosso desejo de sermos Igreja samaritana, de opção preferencial pelos pobres, ajudam-nos na reflexão Bento XVI e o Documento de Aparecida: “Jesus Cristo é o rosto humano de Deus e o rosto divino do homem. Por isso, ‘a opção preferencial pelos pobres está implícita na fé cristológica naquele Deus que se fez pobre por nós, para nos enriquecer com sua pobreza’. Essa opção nasce de nossa fé em Jesus Cristo, o Deus feito homem, que se fez nosso irmão (cf. Hb 2, 11-12). Opção, no entanto, não exclusiva, nem excludente” (DAp 392 e cf. Discurso Inaugural 3).
Em consequência do que constatamos acima, as Diretrizes Gerais da CNBB usam a mesma linguagem: “Uma comunidade insensível às necessidades dos irmãos e à luta para vencer a injustiça é um contra-testemunho e celebra indignamente a própria liturgia. Não é comunidade missionária, empenhada na promoção da vida em plenitude que Jesus veio trazer” (DGAE 2008-2010, n. 178). Para concluir nossa reflexão, recorremos ainda a Santo Irineu (séc. II), que dizia: “Gloria Dei homo vivens” = “A glória de Deus é a vida digna da pessoa humana”. Ao dignificarmos a vida humana glorificamos a Deus; a tornamos mais à sua imagem e semelhança. As mesmas mãos erguidas em oração devem ser estendidas aos irmãos; e as mãos estendidas aos irmãos precisam da força do alto para sua perseverança. Ambas se integram e se completam mutuamente.