Pacto pela Educação: A Virtude do Bom Senso
Numa manifesta sensibilidade, que lhe é peculiar, o Santo Padre tem convocado a Igreja e a Sociedade, a fim de que haja um empenho em favor de um Pacto Educativo Global. Sem imaginar a iminência da pandemia e suas consequentes marcas, Francisco pôs em marcha um pensamento não apenas inovador, mas desafiador. Em suas palavras: “[…] é preciso assinar um pacto para dar uma alma aos processos educativos formais e informais, que não podem ignorar o fato de que tudo, no mundo, está intimamente conexo.[…]”
Como pano de fundo, encontramos no discurso do pontífice a alma de um educador cristão. O eixo que perpassa toda sua visão educativa refere-se à dimensão de fraternidade, sem a qual é impossível qualquer consenso que aproxime e permita resolver os problemas gravíssimos que a sociedade atual enfrenta. As relações esfaceladas pelo egoísmo e autocentramento são abordadas pelo viés do evangelho, que não faz diferença entre as pessoas e promove a liberdade, a dignidade e o valor da vida e da pessoa.
A locução “Cultura do Encontro” é, muitas vezes, retomada nas falas do Papa, como que a desafiar os educadores, os pais e outros atores da sociedade a permitirem-se deixar de lado, ainda que por um instante, as divergências, os pontos de vista muitas vezes excludentes forjados por uma cultura que considera normal as injustiças e a falta de acesso ao que já foi considerado como direito humano. Não é possível pensar num futuro, sem incluir a todos, sem que todos sejam considerados, valorizados e respeitados conforme lhes convém.
O consumismo, a economia centrada no lucro e a exploração dos pobres não desfigura apenas a imagem deles, mas a imagem da espécie humana, que retroage nos caminhos que a permitiram evoluir cultural, afetiva e espiritualmente. Infere-se daí que a educação não está – e nem pode estar – desligada da vida. Ao contrário, está permeada de vida e clama por uma vida com mais significado e profundidade.
Nesta experiência de polarização que fazemos, em âmbito nacional, as dimensões propostas pelo primeiro papa latinoamericano podem ajudar-nos reencontrar o ponto de equilíbrio em torno do diálogo e do bom senso. Tal qual orientavam os romanos ao referir-se à verdadeira virtude, sem extremismos e em busca do consenso, esta hora pede de nós a capacidade de nos tornarmos construtores de pontes, mediando inclusive os que estão próximos de nós, ajudando-os a discernir sobre os malefícios advindos de posturas fechadas de quem não sabe ouvir ou colocar-se no lugar do outro, permitindo-lhe, inclusive, o direito de discordar de nós.
O que vimos e vivemos, por exemplo, nas reações equivocadas e tendenciosas construindo uma narrativa claramente anti-cristã durante a quaresma, atribuindo à Campanha da Fraternidade uma luta de classes (como se nas entrelinhas estivesse em primeiro lugar o objetivo de provocar conflitos) exatamente o contrário do que ela postula deve ser para todos nós a oportunidade de percebermos o quanto ainda precisamos crescer em diálogo, respeito e escuta do outro.
Tal qual a história do vendedor de sapatos, creio que este é um período excelente para despertarmos onde quer que trabalhemos a sede pelo que não temos ou pelo que sonhamos. Enquanto educadores temos a grande e feliz oportunidade de trabalhar para que estudantes, famílias e todos aqueles com quem convivemos permitam-se experiências de escuta, de empatia e de fraternidade. Esta será a grande contribuição dos que estamos acolhendo à convocação de Bergoglio: um Pacto Educativo que comece pelo bom senso de não levar ao extremo nossas ideias, considerando a possibilidade de aprender e crescer com aqueles que em outros tempos seriam nossos adversários e que, agora, passamos a ver como irmãos e irmãs.
Prof. Dr. Rogério Ferraz de Andrade