Perdoar, um ato divino

A pergunta de Pedro: “Senhor, quantas vezes devo perdoar, se meu irmão pecar contra mim?” abre caminho para Jesus tratar de um tema fundamental da sua pregação, o perdão. A importância e a complexidade do tema fica evidente pelas inúmeras vezes que Jesus o aborda. Faz isto em forma de reflexão, de parábola e perdoando como acontece na cruz: “Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que fazem!” Reconhecer o pecado, pedir perdão, ser perdoado e “perdoar a quem nos tem ofendido”, como se reza no Pai Nosso, exige humildade. O assunto não se presta a simplificações. A liturgia dominical (Eclesiástico 27,33-28,9, Salmo 102, Romanos 14,7-9 e Mateus 18, 21-35) proporciona o aprofundamento do tema do perdão.

Jesus responde a Pedro com uma parábola. Não dá uma resposta direta, pronta e fechada. As parábolas sempre partem de situações reais e bem conhecidas. Envolvem o leitor para se tornar participante da narração. A parábola em questão começa com uma cena de perdão. Um grande devedor deve ao rei uma quantia impagável. Suplica prazo para pagar, mas recebe muito mais. A dívida é perdoada. Na segunda cena, este que foi perdoado, também é credor. Encontra um colega de trabalho que lhe deve muito pouco. O devedor pede um prazo, mas a reação é violenta e arranca à força o pagamento do devedor. A terceira cena conclui a parábola e responde a pergunta de Pedro.

O Deus revelado em toda história da salvação concedeu às suas criaturas uma abundância de bens, de forma totalmente gratuita, por exemplo o mundo em que vivemos, a natureza que alimenta, criaturas semelhantes, a Sagrada Escritura. Enfim, as coisas mais importantes os seres humanos receberam de graça, o que totalmente impagável. Não podemos esquecer o principal, isto é, que Jesus oferece a sua vida na cruz para a salvação da humanidade, para o perdão dos pecados. Não há prova maior de doação. Mesmo assim, os humanos não reconhecem o que receberam e tratam mal os dons recebidos. Por outro lado, a parábola revela a mesquinhez que pode existir nas relações entre as pessoas. Todos os humanos são devedores uns dos outros. Os que nos antecederam deixaram um legado de conhecimentos, invenções, construções. Sempre temos uma dívida para com eles.

A parábola que Jesus conta tem a finalidade de afirmar a urgência e a necessidade do perdão. Perdoamos porque Deus nos perdoou, mas isto ainda poderia ser uma forma interesseira e egoísta. O próprio Jesus ofereceu outra razão maior e desinteressada, a misericórdia. “Sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso” (Lc 7,36). “Bem-aventurados os misericordiosos pois eles alcançarão misericórdia” (Mt 5,7).

Na conclusão da parábola Jesus é bem incisivo. Se dirige diretamente aos ouvintes dizendo que todos devem ser agentes de perdão. O juízo emitido se direciona a todos, porque diante de Deus todos são devedores. Ele acolhe com seu perdão na medida em que perdoamos, assim como se reza na oração do Pai Nosso. Sabemos que estamos diante uns dos outros como devedores que vivem da misericórdia de Deus. A Igreja educa os seus fiéis nesta perspectiva. Em cada missa há o convite para um breve exame de consciência e ao arrependimento e, ao mesmo tempo, para louvar o Deus misericordioso. O Sacramento da Penitência é o grande momento de graça de se reconhecer como pecador e de ser perdoado.

A oração confiante do salmista é confortadora. “Pois ele te perdoa toda culpa, e cura toda a tua enfermidade; da sepultura ele salva a tua vida e te cerca de carinho e compaixão”. “Não fica sempre repetindo as suas queixas, nem guarda eternamente o seu rancor. Não nos trata como exigem nossas faltas, nem nos pune em proporção às nossa culpas”.

Dom Rodolfo Luís Weber – Arcebispo de Passo Fundo