Pleno cumprimento da Lei
A liturgia deste domingo continua a leitura do “Sermão da Montanha” de Jesus que ocupa os capítulos 5, 6 e 7 do Evangelho de Mateus. Jesus, Mestre dos Mestres, proclama a nova Lei, relacionando-a com a anterior: “Ouvistes o que foi dito … em verdade eu vos digo” (Mateus 5,17-37). A primeira impressão é de que Jesus age como um revolucionário que reduz a nada tudo o que foi dito e feito antes. Mas não, antes apresentar seu ensinamento, através de seis exemplos – homicídio, adultério, divórcio, perjúrio, vingança e amor ao inimigo – Jesus apresenta duas chaves de interpretação.
“Não penseis que vim abolir a Lei e os Profetas. Não vim abolir, mas para dar-lhes pleno cumprimento”. Jesus afirma que Lei e os Profetas propunham o bem, ordenavam as relações para o crescimento da vida e condenavam o mal. Os Profetas incansavelmente conclamavam para que Lei fosse observada e exortavam para a conversão ao Senhor, que sempre estava pronto para perdoar. O que Jesus corrige é a interpretação legalista e parcial da Lei e as interpretações para justificar interesses privados. O que Jesus propõe à lei mosaica, não é a abolição, mas uma maior exigência. O fundamento para a vivência religiosa, a moral e a ética será o próprio Jesus Cristo. Vim “dar-lhes pleno cumprimento”. Em Jesus se cumpre toda a Lei antiga, além de ser o intérprete e o promulgador definitivo de toda Lei. Para ressaltar seu ensinamento, Jesus exemplifica que “nem uma letra ou vírgula serão tiradas da Lei, sem que tudo se cumpra”. A exortação intenciona levar os cristãos não se apegarem à minúcias, mas à totalidade e radicalidade da Lei e não ao empenho formal da letra.
A segunda chave de interpretação proposta por Jesus é: “Se a vossa justiça não for maior que a justiça dos mestres da Lei e dos fariseus, vós não entrareis no Reino dos Céus”. Constatar o que está errado na interpretação e vivência da Lei anterior não é o suficiente, pois a nova Lei de Jesus conduz a uma vivência nova. Jesus pede de seus seguidores autenticidade, coerência e serem cumpridores da vontade de Deus e não da própria vontade.
O livro do Eclesiástico 15, 16-21 é cheio de sabedoria e vai ao encontro dos questionamentos da atualidade, porque trata das relações entre liberdade e responsabilidade. “Diante de ti, ele colocou o fogo e a água; para o que quiseres, tu podes estender a mão. Diante do homem estão a vida e a morte, o bem e o mal; ele receberá aquilo que preferir. (…) Não mandou a ninguém agir como ímpio e a ninguém deu licença de pecar”.
A pessoa responsável não se esconde atrás das situações, coisas ou pessoas sempre achando justificativas para seus atos. A pessoa livre e responsável assume o peso das decisões. O cristão autêntico sabe conjugar a Lei e o Evangelho, a obediência a Deus e a liberdade. Categorias que não se opõem, nem são paralelas. Ao contrário, se compenetram e se reclamam: estão uma dentro da outra. Portanto, é na conjugação de obediência à Lei e liberdade que o homem se torna responsável. Isto é próprio do cristão, que não vive de desculpas, como alertava Jesus: “Se a vossa justiça, não for maior …”.
O “Sermão da Montanha” força o cristão a abandonar a cômoda situação dos lugares comuns, as ideias vagas e sem sabor, uma religiosidade que não é “sal da terra”, nem “luz do mundo” para descobrir a alegria do Evangelho, da doação, do empenho total e sério pelas causas do Reino de Deus.
“Eu creio que um dia me tornarei autêntico cristão, então deverei me envergonhar sobretudo, não porque tardei em me tornar cristão, mas de haver tentado primeiro todos os meios de escapar”. (Diário, S. Kierkegaard)
Dom Rodolfo Luís Weber – Arcebispo de Passo Fundo