Quaresma e Fraternidade

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) tem marcado o tempo da Quaresma com a Campanha da Fraternidade, apresentando temas que visam à conscientização sobre realidades que afetam a vida das pessoas e da sociedade. Desde 1964, a Campanha da Fraternidade é expressão de comunhão, conversão e partilha. Assim, a CNBB pretende despertar os espíritos comunitário e cristão na busca do bem comum, educando para a vida em fraternidade e renovando a consciência da responsabilidade de todos pela ação evangelizadora, em vista de uma sociedade justa e solidária.

É um esforço de toda a nossa Igreja para viver a Quaresma nestas duas dimensões:  comunitária e social. “A Penitência Quaresmal não deve ser apenas interna e individual, mas também externa e social.” (Sacrosanctum Concilium). Sem esquecer das mudanças pessoais, a Igreja nos faz abrir os olhos para situações que precisam de cuidado e atenção. Busca-se, assim, assumir a missão do Mestre Jesus: “Para que todos tenham vida em abundância.” (Jo 10,10).

Trata-se de concretizar os princípios da Doutrina Social da Igreja, patrimônio adquirido ao longo dos séculos e ancorado em experiências de santos que tornaram a Igreja Católica a maior organização caritativa do Planeta; caritativa e não meramente filantrópica, pois os gestos de caridade estabelecem uma aprofunda relação de fraternidade entre quem ajuda e quem é ajudado, pois todos compreendem que temos um único Pai.

A Igreja, no caminho de Jesus, observa as sociedades de diversas épocas, arcadas pela ferida do pecado, e percebe quanto se esquece dos doentes, escravizam-se populações, criam-se massas famintas, dizimam-se etnias em genocídios, promove-se o terrorismo, matam-se fetos e a vida perde valor, e se explora a Criação, “Nossa Casa Comum”.

Nosso Brasil também está ferido pelo pecado. Talvez hoje se prefiram outros termos: crise ética, corrupção, desonestidade ou crise de valores. Teologicamente, trata-se de perceber como o ser humano pode ter um ego inflado e se fechar em si mesmo a tal ponto que a dor do outro não lhe cause mais estranheza. Alguns se fecham tanto que acabam negando a existência de Deus e o ensinamento de Jesus Cristo, pois sabem que não subsistiriam diante de suas palavras: “Tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber, estava preso e me visitastes, estava doente e me socorrestes…”

Não podemos separar culto de misericórdia, liturgia de ética, adoração ao único e verdadeiro Deus de compromisso com o irmão que padece. Toda divisão e toda tendência a extremos caem na tentação de se desviar do núcleo da fé cristã: o amor a Deus e ao próximo.

Nesse itinerário pascal, a CNBB, por meio da Campanha da Fraternidade, reflete sobre os exercícios quaresmais do jejum, da oração e da esmola na perspectiva da conversão pessoal e da social. Dessa forma, provoca cada pessoa de boa vontade, comunidades cristãs e instituições civis acerca de seu envolvimento com as transformações espirituais, sociais, político-econômicas, ecológicas em nosso atual contexto. O objetivo é verificar a coerência de nossa prática religiosa com o projeto do Reino de Deus anunciado por Jesus Cristo no Evangelho.

Dom Leomar Antônio Brustolin – Arcebispo Metropolitano de Santa Maria