Quaresma em tempo de Coronavírus
A pandemia do Coronavírus (Covid 19) está impondo um modo próprio de viver a Quaresma. Não temos mais, por enquanto, a celebração eucarística. A Via-Sacra, os encontros nos grupos, as obras de misericórdia e a celebração da confissão só de maneira pessoal. Na Quarta-feira de Cinzas, quando recebemos as cinzas, uma das fórmulas a serem ditas era: “Recorda-te que és pó, e em pó te hás de tornar”. Pela sua característica própria de um tempo de maior recolhimento, interiorização, conversão pessoal e social, a Quaresma nos traz de volta ao centro. Isto é a conversão: recorda-te que és frágil! O cotidiano, com tudo o que traz segurança, nem sempre é local propício para o exercício da humildade diante do Criador. A primeira impressão deste tempo quaresmal, nesta pandemia, é que somos questionados sobre o sentido de nosso viver. É tão frágil. É tão rápido. Quando nos sentíamos seguros, em poucos dias nos damos conta de que não o somos. E tudo isto por um vírus, pequeno, invisível ao olho nu.
A segunda realidade é que nos damos conta de como o nosso orgulho não nos ajuda. Todos precisamos um do outro. Cada um, não somente deve cuidar de si, mas é chamado a cuidar do outro. Ser solidário. Ser compassivo. A indiferença é um veneno letal. Quem pensa que não é algo sério, corre o risco de não sobreviver. Tudo o que fizermos, tem a ver com a vida humana de todos. O meu cuidado, não é somente meu, mas para todos. O bem que realizo visa o bem de todos. Sempre necessitamos uns dos outros, mas neste momento mais ainda, sobretudo por aqueles que têm a vocação do serviço nos hospitais de maneira especial. Uma sociedade doente precisa do cuidado de todos. A cura que necessitamos é física, com certeza, mas também do individualismo. É tempo de aprender a darmo-nos as mãos.
Precisamos recordar o exemplo do bom samaritano, do evangelho de Lucas. Ele é modelo de nosso viver. Superar toda forma de indiferença fará nosso mundo ser bem melhor. Todo ser humano é convidado a ter vísceras de misericórdia. Não somente porque é tempo de pandemia, mas porque é do evangelho cristão o jeito de viver, o modo de ser de Jesus, cheio de misericórdia. A misericórdia é a chave da vida humana e cristã. Sem ela não há comunhão possível. Todos os gestos de caridade humana são a manifestação do rosto de Deus, que em Jesus vem a nós. Quaresma é tempo de caridade, pois Jesus nos amou até o fim (cf. Jo 13,1).
A Quaresma, e todo o resguardo que nos é solicitado, pode ser uma oportunidade para crescimento espiritual na vida de oração. É tempo de boas leituras. Descobrimos a beleza da vida familiar. Pode ser uma oportunidade de maior profundidade espiritual, de rezar mais. O que será que Deus está querendo nos dizer com este momento, com sua dramaticidade? Carregamos uma certeza: embora nem sempre compreendamos, Deus está conosco sempre. “Meu refúgio e minha fortaleza, meu Deus, em quem confio. Ele te livrará do laço dos caçadores e da palavra que destrói” (Sl 91,2-3).
Recordemo-nos de olhar para o Senhor Crucificado-Ressuscitado. Ele deu sua vida por nós. Ele vive e nos quer vivos sempre. A Páscoa que se aproxima reanima nossa esperança. Amanhã será melhor se nos confiarmos a ele. Nossas atitudes do cotidiano sejam espelhadas neste caminhar com Cristo vivo em nós. Não somos portadores do medo, mas da esperança.
Dom Adelar Baruffi – Bispo Diocesano de Cruz Alta