Quem ama e serve passa da morte à vida
Fazer memória dos finados significa refletir sobre aquilo que dá sentido duradouro à nossa vida, decidir responsavelmente sobre o modo de conduzir os dias que nos restam, expressar a saudade que daqueles que partiram. No interior dos templos ou no descampado dos cemitérios repletos de túmulos renovamos nossa resposta Àquele em quem vivemos, nos movemos e existimos.
A morte sempre é uma perda. A religião não oferece soluções fáceis ou orações capazes de acalmar a dor do real fracasso que a morte representa. No momento em que a pessoa acumulou experiências, selecionou ensinamentos e provou a sabedoria, a morte a leva não podemos mais contar com ela. E o que dizer quando um jovem, com toda a vida pela frente, parte brutalmente, como ocorreu com os atletas de Pelotas?
O vazio deixado pelas pessoas que se foram é tão grande e a certeza de que seguiremos o mesmo rumo desconhecido é tão desconcertante que procuramos disfarçar a morte. É por isso que não cansamos de construir pontes de palavras e símbolos que sinalizam nossa comunhão com aqueles que partiram: as flores, as velas, a oração de súplica e de agradecimento, as fotografias, a visita ao cemitério, traduzem saudade, reflexão e esperança.
As flores lembram a beleza inigualável das pessoas que tivemos a graça de amar e que nos amaram. Não lembram pessoas perfeitas e puras, firmes e inabaláveis, mas seres humanos que nos ajudaram a ser melhores. E as velas que acendemos junto às sepulturas ou noutros lugares querem resgatar o suave brilho daqueles olhos que o tempo e a distância tendem a apagar.
As flores que colhemos no jardim ou compramos nas floriculturas e carregamos pelas ruas e depositamos junto às sepulturas, tão frágeis e delicadas quanto belas e simples, falam da esperança de que a vida de quem partiu é semente que há de germinar; da preciosidade e da fragilidade da nossa existência; da esperança de que nossa própria vida poderá desabrochar numa beleza que hoje não conseguimos perceber; da esperança de que um dia olharemos menos para os defeitos e mais para a bondade que vai no o coração nosso ou dos outros.
O dia dos finados é uma oportunidade de parar, avaliar nossas escolhas, reordenar os valores que nos orientam, discernir o tesouro que se esconde em cada instante, desfrutar o gosto de paraíso de cada experiência. E a fé abre horizontes ainda mais amplos que a saudade e a reflexão. Em Jesus Cristo podemos crer que a vida-semente lançada na terra não fica só, e esperar, sem nos enganar, a ressurreição. E isso nos liberta de todos os medos e ambições, e nos capacita a amar e servir, sem medida. “Nós sabemos que passamos da morte para a vida porque amamos nossos irmãos” (1Jo 3,14).
Dom Itacir Brassiani, msf – Bispo Diocesano de Santa Cruz do Sul