(RE) Encontrar a Alegria

Será possível sentir alguma alegria, neste tempo de tantas feridas e sofrimentos? Um turbilhão envolve-nos a cada passo e, por vezes, sentimos a dor moral incomodados por desfrutarmos de algum prazer existencial, enquanto tantos passam tribulações.

O dilema de ser feliz em meio às agruras da vida não é novidade. A própria existência humana parece conter uma mescla de gozo e sofrimento. Felicidade perfeita, definitivamente, não é algo que possamos experimentar, ao menos neste mundo. Mal apreciamos a doçura de uma pequena vitória e já despontam inúmeras outras batalhas a serem vencidas.

A vida não caminha em linha reta. Expandem-se por todos os lados as multifacetadas sensações que nos envolvem, a ponto de em um único dia lançarmo-nos do êxtase ao profundo sofrimento. Enquanto realizo-me profissionalmente, lamento a perda de um familiar, um amigo ou sinto-me deprimido pelos desastres que acontecem perto de mim ou do outro lado do oceano. “Enquanto houver pobreza no mundo, nenhum homem será totalmente rico”, afirmou Martin Luther King. O que leva-nos a inferir que enquanto houver uma pessoa sofrendo não poderemos ser plenamente felizes. Mas então restaria apenas o absurdo de uma vida marcada pelo sofrimento e a dor? Não nos é facultado a alegria, caso não acabemos com as dores do mundo?

Mas e se, de repente, compreendêssemos que também as dores são experiências que podem conduzi-nos à alegria perfeita, à verdadeira alegria? O paradoxo estabelecido foi apresentado  por ninguém menos do que Francisco de Assis. Na caminhada para Perusa, sob um intenso e congelante frio, o santo foi questionado por Frei Leão: “Pai, peço-te da parte de Deus, que me digas onde está a perfeita alegria? Ao que, poética e didaticamente, o pobrezinho responde em sua simplicidade cogitando inúmeros reveses como não ser recebido, passar fome e até mesmo ser agredido, incompreendido, rejeitado e tudo mais: “Ó irmão Leão, escreve que aí e nisso está a perfeita alegria, e ouve, pois, a conclusão, irmão Leão. Acima de todas as graças e de todos os dons do Espírito Santo, os quais Cristo concede aos amigos, está o de vencer-se a si mesmo, e, voluntariamente, pelo amor, suportar trabalhos, injúrias, opróbrios e desprezos.”

Para nossa sociedade que aprendeu, nas últimas décadas, a lição narcísica do vencer os outros, do superar os “concorrentes”, mas não aprendeu a vencer a si mesma, a repensar os seus valores e inclinações, a dica de Francisco parece-me não apenas atual, mas necessária para garantir-nos a saúde mental e afetiva: não são os sofrimentos e dificuldades que nos tornam infelizes, mas a nossa incapacidade – ou falta de vontade?- de elevar-nos para além de tudo o que é transitório, a fim de experimentarmos uma alegria genuína e edificante.

No “Sonho de Gerôncio”, obra magnífica do Cardeal Newman, em que representa um questionamento existencial, quase ao final de sua vida, o religioso apresenta a morte como uma passagem (o que poderia valer para todos os sofrimentos que experimentamos) e, ao final depois de ver como que em um filme a sua vida com fragilidades, defeitos, mas também com a incansável busca de Deus, o autor põe nos lábios do anjo aquilo que em nossa fé tem nos dado força em meio à pandemia que ora vivenciamos: “Adeus, mas não para sempre! Amado Irmão, tem paciência e valor em tua agonia. A noite de teu juízo será breve e te despertarei ao romper do dia.”

Nenhuma noite será longa o suficiente para retirar de nós toda a esperança, todo o encanto e amor pela vida, dom sublime de Deus. É possível reencontrar a alegria, reencantar nossa caminhada e voltarmo-nos sempre para o Sol Maior, que mesmo escondido pelas montanhas ou ofuscado pela noite, reflete-se nas estrelas embalando nossos sonhos e indicando-nos que outro dia nascerá. Talvez esteja aí o sentido daquilo que Francisco – não o de Assis, mas o de Roma- insiste tanto em dizer-nos: “Não esqueçam a esperança!”

Prof. Dr. Rogério Ferraz de Andrade