Redescobrir o elementar
A humanidade sofre uma epidemia que atinge a todos, sem fazer discriminação. O que se ouve a respeito tem características de um pesadelo, do qual se deseja, o mais breve possível, estar livre. No entanto, a situação mostra que não se trata de pesadelo; se trata de doença contagiosa, de caráter transitório e que exige senso de pertença e corresponsabilidade social.
Os centros de pesquisa trabalham aceleradamente para encontrar meios para derrotar um vírus que, parece, veio para ficar por um bom tempo entre nós. Apesar de todos os avanços científicos e tecnológicos, há dificuldades para promover os cuidados necessários diante desse perigoso e minúsculo ser. Precaução e prevenção são uma urgência!
A crise vivida exige mudanças de atitudes, comportamentos, compreensão da vida, da saúde pública, modos de intervenção no meio ambiente, de concepção da economia e das relações sócio-político-religiosas. Ou seja, um novo paradigma se impõe.
O modelo atual de sustentação da sociedade é frágil! Aos poucos se redescobre a importância dos afetos, da solidariedade, do sorriso, da palavra amiga, do abraço, da prece. Não que tudo isso não estivesse presente na vida cotidiana. Estava, mas suplantado por outras prioridades. Agora um vírus está exigindo uma nova forma de vida, cultura e economia.
Acolher com prudência as indicações das autoridades sanitárias e da Organização Mundial da Saúde é sinal de colaboração e corresponsabilidade social. Desponta assim a conveniência de seguir as indicações precisas de caráter sanitário, atendendo à necessidade de organizar também a vida da comunidade de fé.
Liberdade e responsabilidade não são pilares sociais e políticos contrapostos. Há uma complementaridade entre ambos. Infelizmente a razão está sendo atropelada pela falta de limites entre a informação que protege e os exageros das opiniões, “achismos” e fake news, que promovem medo. Por isso, para quem pleiteia, por exemplo, os espaços religiosos, com seus cultos, abertos, resta a pergunta: há condições de higienização, de contingenciamento e controle de temperatura das pessoas? A partir de quais critérios objetivos?
Não estaria, pois, se impondo a necessidade de ousadia e criatividade apostólicas, ou de redescobrir aquilo que São Paulo denominava “culto espiritual”: a meditação da Sagrada Escritura, a leitura orante da Palavra, a oração pessoal e em família, a caridade?
Dom Jaime Spengler, arcebispo metropolitano de Porto Alegre e primeiro vice-presidente da CNBB