Romaria: caminhada de fé
Aproximam-se os dias da “80ª Romaria da Medianeira de Todas Graças”, maior evento da cidade de Santa Maria e do Estado do Rio Grande o Sul. Anualmente, centenas de milhares de devotos caminham até o Santuário-Basílica para repetir o gesto de agradecer, pedir e louvar a Mãe de Deus pelos benefícios que diariamente recebem de sua materna assistência. Toda essa expressão de piedade popular merece reflexão e reverência. O peregrino sabe que a caminhada é, antes de tudo, uma realidade interior que tende ao Absoluto. Caminhar é uma categoria espiritual. Na caminhada exterior, o ser humano quer encontrar-se consigo mesmo.
O fundamento da prática de peregrinar aos santuários cristãos encontra-se na fé judaica que, há muito tempo, tem como meta Jerusalém. Ela é a cidade-templo. Os árabes a chamam de a “Santa”. O salmo 102 a canta dizendo: “Aos teus servos são estimadas
as pedras de Sião.” Famosos são os versos do salmo 122 que proclamam: “Alegrei-me quando me disseram: Vamos à casa de Javé! Nossos passos já se detêm junto aos teus umbrais, Jerusalém! (vv. 1-3). O salmo é um hino à Jerusalém, cantado pelos peregrinos que se dirigiam à cidade para as festas. Reflete a alegria de caminhar e fundamenta a própria vocação da humanidade: reunir-se para partilhar a liberdade e a vida. A cidade santa de Jerusalém é o lugar sonhado por todo israelita. Ela recebe a abundância de bênçãos e as distribui a todos os seus filhos. Andar em Jerusalém é como entrar no abraço de Deus e sentir o palpitar de seu coração.
A peregrinação está intimamente ligada ao sentido da conversão. Quem procura o santuário caminha em direção à vida nova que só Deus pode oferecer. As curas corporais acontecem, mas são excepcionais e raras nos locais de peregrinação. O que mais se percebe são as curas do coração, oferecidas a todos; cada um as recebe em seu nível e conforme sua necessidade.
A vida cristã é feita de sucessivas conversões. A primeira é a do Batismo. As outras acontecem ao longo da existência. Se, por um lado, é possível constatar e se admirar dos milagres de curas físicas, dificilmente se contabilizarão as curas interiores, que são numerosas, e essas últimas são fundamentais nas intenções de Deus. A peregrinação estabelece uma meta que simboliza e atualiza o caminho humano rumo ao fim sobrenatural. Partir significa romper com a inércia habitual, é dispor-se a avançar, a crescer e a conhecer o novo. Deixar a própria casa é abandonar atitudes rotineiras, por vezes medíocres, dispondo-se ao futuro de Deus.
O evento “Medianeira”, em Santa Maria, adquire um significado singular pela participação de milhares de fiéis na procissão do segundo domingo de novembro. Ninguém pede ou promove esse gesto, ele é espontâneo, nasce do coração das pessoas e do seu carinho pela Mãe de Jesus: “Essa religiosidade não tem dono, nem chefe, nem regras definidas. Quem a cria, solta-a no mundo. O povo a divulga, o povo a modifica. As devoções populares à Maria, como o terço, as novenas, as promessas, as fórmulas de consagração e as romarias são manifestações do coração; não se movem pelas leis, mas pelo desejo de sintonizar com Maria, do jeito que o povo sabe e pode.”
(CNBB, 1998, p. 22).
Dom Leomar Antônio Brustolin – Arcebispo Metropolitano de Santa Maria