Santa Macrina: audácia cristã feminina na propagação do cristianismo

O cristianismo nos primeiros séculos revela uma grandiosidade na radicalidade e no seguimento a Jesus Cristo. Santos e mártires formaram a Sinodalidade do Caminho do Mestre. Mulheres e homens entregaram sua vida na construção da Comunhão e da Participação na Igreja. Ensinaram e aprenderam no itinerário, deixando-se conduzir pelo Espirito Santo, na leitura assídua da Palavra de Deus, no serviço aos pobres e doentes de seu tempo. Embora o retrato que se tem das mulheres é de dedicação à família, ao marido, não é possível esconder tantas mulheres que lideraram a vida das Comunidades, que foram testemunhas do evento Pascal de Jesus Cristo Vivo e Ressuscitado na Vida Eclesial e na criação. Mulheres que ultrapassaram o domínio do masculino e aderiram ao Cristianismo como espaço de liberdade e de pertença a um Projeto maior que incluía a formação do povo.

O mês de julho chega até nós apresentando o nome de vários santos e santas. Entre tantos, está Santa Macrina, virgem (†379), e irmã dos santos: Basílio Magno, Gregório de Nissa e Pedro de Sebaste. Macrina era a filha mais velha de dez irmãos. Nasceu na Cesaréia, na Capadócia, outrora um reino independente e Província do Império Romano a partir de 14 d.C. Situados em torno do rio Halys — fronteira natural entre a Ásia Menor romana e as regiões interioranas — o arcebispado de Cesaréia formava, ao lado de Nissa (bispado), uma área fortemente cristianizada a partir de 325. Sua família pertencia a um segmento da aristocracia helenizada da Ásia Menor que prontamente aceitou o cristianismo (TEJA, 1989: 92).

Versada nas Sagradas Escrituras, retirou-se para levar uma vida solitária no mosteiro de Annesi, no norte da Turquia, antes propriedade de sua família.  Macrina era originária de uma família muito rica da Capadócia,  era dotada de dotes naturais, afirmava seu irmão Gregório de Nissa, o que sua mãe aproveitou para ensinar-lhe as Sagradas Escrituras, onde encontrou terra fértil. Com o decorrer do tempo, Macrina amassava o trigo para a Eucaristia. Era absorta em Deus e zelosa com os pobres, aos quais distribua roupas e alimentos.

Assim, Macrina, de quem Gregorio concorda em escrever, “para que uma vida tão luminosa não fosse ignorada e não ficasse no esquecimento, sem proveito, obra de uma mulher que, em virtude de sua vida filosófica, alcançou o mais alto grau de virtude”. Macrina e outras virgens foram consideradas verdadeiros pilares do cristianismo.  Garantiam a pureza original do  pensamento cristão. Macrina possuía uma excelente bagagem intelectual:  conhecia autores cristãos, como Orígenes, ademais, lia as obras dos irmãos (CORRIGAN, s/d: Internet).

É importante destacar o papel de Macrina e outras virgens na elaboração de retiros para os quais afluíam, jovens, pobres e também viúvas ricas que decidiram ingressar na Vida Religiosa. Contribuiu na educação de seus irmãos, influenciando-os muito, três dos quais também se dedicaram à Vida Contemplativa. Gregório diz que a irmã o levou a desprezar o orgulho de seu conhecimento e o levou ao caminho da humildade.
Basílio, que havia estudado retórica em Atenas, após longo período de estudos, retorna um hábil retórico. Ele estava mais do que inchado com o orgulho da oratória e desprezava os dignatários locais, superando em sua própria opinião todos os homens de liderança e alta posição.

No entanto, Macrina tomou-o pela mão, e com tanta rapidez o conduziu também na direção da marca da filosofia, que renunciou às glórias deste mundo e desprezou a fama conquistada pela fala (…) Sua renúncia à propriedade foi completa, de modo que nada deveria impedir uma vida de virtude. VM [966C]

A influência de Macrina,  juntamente com seu irmão Basílio, foi notável. Desde o mais idoso, ela retransmitiu as tradições da Igreja da Neocesareia  de forma relevante, incluindo as mudanças do origenismo de seu apóstolo, Gregório Taumaturgo com todos aqueles que impelia à vida contemplativa a partir do texto das Sagradas Escrituras.  Graças a ela, Basílio tornou-se eremita, fundou mosteiros e elaborou as regras que regiam a vida monástica da Igreja Ortodoxa — Basílio representa o novo homem das elites dominantes do Baixo Império: aristocrático e proprietário de terras ligado à vida urbana, amante da cultura grega, perseguido e criticado por seu cristianismo (TEJA,  1989: 94). De Macrina a São Bento, a história do monaquismo no mundo cristão foi assim modelada, baseada no ascetismo rigoroso, na leitura das Escrituras e no papel das virgens como metáforas vivas do Paraíso Perdido.

Através da história sobre sua vida, também podemos observar a atuação de uma mulher como líder intelectual de sua família. Como guia espiritual e protetora ela era a “mestra”, a senhora. O modelo de Macrina ajudou a fortalecer uma ideia corrente da época, de que as mulheres Consagradas eram um repositório de valores para as comunidades cristãs. Em uma carta de Basílio aos habitantes de Neocesareia, mostra a força da imagem de Macrina, a audácia  cristã feminina, na propagação do cristianismo do século IV.

Por ocasião de sua morte, Gregório de Nissa, seu irmão ao vesti-la com um linho fino como honra, junto com a diaconisa Lampadion, mestra do coro, encontrou em seu coração preso por uma corrente, um anel onde estava gravado a Cruz, e dentro a relíquia do lenho da Cruz e junto uma Cruz de ferro. Sem dúvida é um dos primeiros testemunhos da devoção à Cruz do Senhor. Nissa afirma que sua irmã recebeu o dom da profecia, o dom dos milagres, o dom de curar e o dom de expulsar demônios.

Macrina é modelo para as mulheres Consagradas no que se refere ao amor pela Palavra de Deus, sua escuta orante, sua pratica de solidariedade com os pobres, sua articulação a respeito das regras da Vida Consagrada e da liderança na Comunidade, vivendo a alegria do Evangelho. Seu caráter, sua autenticidade, sua liderança ímpar, articulando as Comunidades eclesiais formam o retrato da mulher no Cristianismo dos quatro primeiros séculos da Igreja.

Irmã Maria Freire da Silva
Diretora Geral Congregação das Irmãs do Imaculado Coração de Maria