Seguir a Jesus com a cruz às costas
“Vós me seduzistes, Senhor, e eu deixei-me seduzir”, vamos escutar estas palavras do profeta Jeremias, na 1a Leitura deste Domingo (Jeremias 20, 7). O texto bíblico destaca o clamor do profeta porque Deus o atraiu e o seduziu a seu amor, e por isto, o profeta tornou-se motivo de zombaria de todos e a Palavra profética anunciada foi motivo de dor e desprezo. Por isso o profeta quis escapar da missão, mas a Palavra de Deus foi mais forte e venceu-o.
A maioria dos profetas bíblicos sofreu experiências similares às de Jeremias. Foram perseguidos pelos próprios irmãos e pelas autoridades correspondentes. Muitos deles sofreram a morte ou o desterro. No entanto, a fidelidade a Deus e a seu Povo foi mais forte que sua própria segurança e bem-estar. A Palavra de Deus age no profeta como um fogo abrasador que não o deixa tranquilo e o mantém sempre alerta no cumprimento de sua missão.
«Transformai-vos pela renovação espiritual». A 2a Leitura, da Carta de Paulo aos cristãos de Roma (Romanos 12, 1-2) utiliza uma linguagem imperativa e de exortação. São Paulo fala-lhes não só como irmão na fé, mas com a autoridade de Apóstolo. Convida-os a fazer de seu corpo uma oferenda permanente a Deus. O verdadeiro culto não é o que se reduz a ritos externos, mas o que procede de uma vida reta e transparente. O corpo, veículo da vida interior, deve ser um canto de louvor e gratidão a Deus. Nisto consiste a conversão para São Paulo: numa vida totalmente transformada pelo Espírito de Deus, na mudança de mentalidade, de valores, de horizonte. Só assim se poderemos ter critérios de discernimento para buscar, encontrar e realizar a vontade de Deus.
No texto do Evangelho de hoje (Mateus 16,21-27) deparamo-nos com um belo esquema catequético sobre o discipulado como seguimento de Jesus até a cruz. Jesus manifesta a seus discípulos que o caminho da ressurreição está estritamente vinculado a experiência dolorosa da cruz. O núcleo principal é o primeiro anúncio da paixão.
No entanto, os discípulos, simbolizados pela pessoa de Pedro, não compreenderam esta realidade. Eles estão convencidos do messianismo glorioso de Jesus que corresponde às expectativas messiânicas do momento, que são, sobretudo, políticas. Jesus recusa enfaticamente esta proposta, pois a vontade do Pai não coincide com a expectativa de Pedro e dos discípulos. Por isso São Pedro aparece como instrumento de Satanás diante de Jesus, para obstruir a sua missão.
Os discípulos são convidados pelo Mestre a continuarem o seu caminho porque ainda não alcançaram a maturidade própria de discípulos. Imediatamente Jesus lembra que o caminho do seguimento também compreende a cruz. Não existe verdadeiro discipulado se não se assume o mesmo caminho do Mestre. O anúncio do evangelho traz consigo perseguição e sofrimento. Tomar a cruz significa participar na morte e ressurreição de Jesus. Perder a vida por Jesus habilita o discípulo para alcançá-la em plenitude junto de Deus.
Desejaríamos viver um cristianismo cômodo, sem sobressaltos, sem conflitos. Mas Jesus é claro em seu convite: é preciso tomar sua cruz, arriscar a vida, perder os privilégios e seguranças oferecidos pela sociedade se quisermos ser fiéis ao Evangelho.
Como vivemos na nossa família e na comunidade cristã a dimensão profética do nosso batismo? Estamos dispostos a correr os riscos exigidos pelo seguimento de Jesus? Ainda hoje conhecemos pessoas que viveram a experiência do martírio pelo Evangelho. Ainda estamos no tempo de martírios de sangue. Que o digam os milhares e milhares de cristãos assassinados ou obrigados a deixar suas casas, suas terras e seus bens, no Iraque e na Síria, no Paquistão, na Índia e em outros lugares do mundo.
Que a Virgem Maria, Mãe de Deus e nossa, faça de cada um de nós verdadeiros missionários e nos ajude a perceber que “é pela perseverança que alcançaremos a salvação” (cf. Lucas 21,19).
Dom Antonio Carlos Rossi Keller – Bispo de Frederico Westphalen