Semana Social Brasileira: terra, teto e trabalho

Quero apenas ver o direito brotar como fonte e correr a justiça qual regato que não seca (Am 5,24).

 A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, através da Comissão episcopal pastoral para a ação sociotransformadora, lançou recentemente a 6ª Semana Social Brasileira que tem como tema central “Mutirão pela vida: por terra, teto e trabalho”. A tradição das Semanas Sociais não é apenas brasileira. Acontece também em outros países da Europa. Lá realmente dura uma semana. No Brasil é uma caminhada que dura três anos de forma que possibilite engajamentos e processos de discussão em diferentes setores da Igreja e sociedade. É um evento provocado pela Igreja católica, entretanto, historicamente, aberto ao diálogo ecumênico e plurirreligioso.

O tema gerador é pertinente. Em tempos de pandemia sentimos mais diretamente as ameaças à vida humana. Estamos nos sentindo vulneráveis e temerosos quanto ao nosso futuro. Certamente a pandemia mexeu com muitas pretensas certezas humanas. Redescobrimos que somos finitos, frágeis e vulneráveis às forças da natureza. Não custa lembrar que a vida já estava ameaçada, mas como era a vida do Planeta, apesar dos tantos apelos, a humanidade, em sua maioria, não se importou.  Continuou depredando a casa comum. Ela ficou ferida e clamou por socorro, como afirmou Francisco na Encíclica Laudato Si: esta irmã clama contra o mal que lhe provocamos por causa do uso irresponsável e do abuso dos bens que Deus nela colocou (cf.LS 2). A enfermidade da Terra chegou à humanidade e deixou-nos preocupados. A expressão “mutirão pela vida” compreende a vida em todas as dimensões. O desafio de salvar a humanidade compreende também o desafio de salvar a casa da humanidade, a casa comum.

A 6ª Semana Social Brasileira tem uma base extremamente significativa, o tripé: terra, teto e trabalho. São realidades estruturantes da vida humana, os elementos constitutivos de uma existência digna, segundo a proposta de Jesus que afirmou ter vindo para que todos tivessem vida e vida em abundância (cf. Jo 10,10). São justamente as condições que embasam a boa existência humana: terra para cultivar, casa para morar e trabalho digno que garante a sobrevivência. Segundo o Papa Francisco, ao falar no encontro dos Movimentos Populares, na cidade de Roma em novembro de 2014, são direitos sagrados que enfocam a centralidade da pessoa em plena consonância coma Doutrina Social da Igreja.

Contudo, apesar de serem o elemento constitutivo da dignidade humana, terra, teto e trabalho, historicamente, foram alvos de disputa e expropriação devido a cobiça humana.  Alguns se deram ao direito de acumular tudo, desconhecendo qualquer norma ou princípio de igualdade social. Terra acumulada, teto (casa) voltado a especulação e trabalho que não realiza o ser humano, são sinais de uma grande anomalia social, explicitação de direitos negados.

Devido ao histórico de desigualdade construída, terra, teto e trabalho foram transformados em déficit. Não é um déficit natural. Foi um déficit construído ao longo dos séculos, quando a preocupação com a igualdade social e zelo pela casa comum foram suprimidas pelo desejo de acúmulo desenfreado. Se foi construído é passível de desconstrução. É uma desconstrução necessária, porque está na raiz da miséria e morte precoce de muitas pessoas. São as condições básicas de vida transformadas em mercadoria.

É urgente superar esta condição posta como natural porque não é. Na sua forma mais apurada coloca a lógica econômica financeira acima da vida e dignidade humana. A proposição da 6ª Semana Social Brasileira de refletir com a sociedade os pilares da existência humana, como dito, terra, teto e trabalho, é uma forma de agir político. Não o agir interesseiro, mas o agir voltado para o bem comum como sugeriu o Papa Pio XI, posteriormente reforçado por Paulo VI e Francisco: a política é a forma mais sublime de caridade porque volta-se para o bem comum. É também uma ação evangelizadora no sentido da evangelização, ou seja, agir, no anúncio de Jesus Cristo, para transformar as realidades humanas, segundo os critérios do Reino de Deus por Ele anunciado. A Semana Social é um compromisso político e evangélico, portanto, compromisso dos cristãos e de todas as pessoas de boa vontade.

Obs. Em seguinte artigo aprofundaremos um pouco mais sobre terra, teto e trabalho.

Pe. Ari Antônio dos Reis