Solidariedade e fé
O contexto histórico atual, marcado pela constatação de que a humanidade é imensamente vulnerável, tem demonstrado o quanto é importante o senso de pertença à sociedade, com direitos e deveres, e de corresponsabilidade pela saúde e integridade de todos. Mas não só! A situação pandêmica tem também recordado o quanto é importante o respeito pela ciência e a tecnologia, a responsabilidade das autoridades políticas e sanitárias, a necessidade de planejamento e educação com qualidade (não só acadêmica) para todos, e o lugar da solidariedade e da esperança sustentadas pela prática da fé.
Solidariedade significa não ser ou ficar indiferente diante da necessidade de alguém ou da dor alheia. Significa ter disposição para auxiliar e promover tal disposição, para superá-la.
A compreensão do que está acontecendo à causa de um micro-organismo desconhecido – o que se sabe sobre o novo coronavírus é muito pouco – exige de todos vigilância e cuidado. Ao mesmo tempo, requer a atenção solidária para que, cultivando a salutar esperança, ninguém fique para trás.
O tempo presente não pode ser avaliado e considerado somente numa perspectiva horizontal, por meio da qual são possíveis melhor compreensão do que está em questão e construção de necessárias orientações sanitárias e normas de comportamento social. É preciso acender uma luz na noite que se abateu sobre todos. Urge vigilância para que reducionismos, negacionismos e fundamentalismos não encontrem terreno apto para semear ideologias que favoreçam o já frágil tecido social.
Os tantos sinais de solidariedade provenientes de tantos lugares representam um sinal de esperança. Se por um lado se constatam comportamentos irresponsáveis – isso para dizer pouco –, por outro lado não faltam testemunhos de pessoas capazes de alteridade. Há certamente os que operam por sentimento humano de respeito e caridade. Há também os que agem animados pela fé, que sustenta e permite, segundo modo próprio, colher os sinais que o tempo oferece, para fazer frente à mediocridade e à tibieza.
A fé cristã não é ópio do povo. Ela não é água que apaga o senso de pertença e de corresponsabilidade social. Ao contrário, ela é fogo que anima, ilumina e impele a superar o individualismo. Permite compreender que tudo está interligado e que todos são irmãos.
Os templos religiosos abertos, com seus cultos públicos, seguindo normas sanitárias equitativas e sensatas, são “oásis” para quem vive intensamente a fé, cuida, protege e promove vida, e vida em abundância para todos.
Dom Jaime Spengler, arcebispo de Porto Alegre e primeiro vice-presidente da CNBB