Superar o Antropocentrismo na Ecologia
O antropocentrismo gerou uma civilização sedenta de poder e ambiciosa em dominar tudo, especialmente a natureza. A crise não surgiu apenas por meio das tecnologias que possibilitaram a exploração da natureza . Ela se baseia muito mais na ambição que pessoas têm por poder e prepotência. A atitude possessiva e destruidora do ambiente não pode ser compreendida sem a centralidade do ser humano como dominador e articulador da crise.
Se tudo está interligado numa grande rede de relações, a crise ética deve ser considerada uma das consequências mais nefastas da prepotência antropocêntrica das últimas décadas.
Jamais a humanidade pode isentar-se de relações com o ambiente natural, até porque é também participante da natureza. O ser humano não se coloca apenas diante da natureza como um sujeito de conhecimento e de atividade, mas se coloca como sujeito de uma história junto à natureza. O ser humano tem natureza e é natureza. Ele toma consciência não apenas do poder que ele dispõe sobre a natureza, mas também da solidariedade em relação à natureza à qual está coligado.
A ação humana, suas decisões e seu estilo de vida afetam profundamente a vida no planeta. A ética nasce da responsabilidade diante do outro. Acolhendo ou rejeitando o semelhante, definem-se as relações de cooperação ou de dominação. Decorre, então, a necessidade estabelecer critérios que permitam cuidar da vida.
O equilíbrio entre biocentrismo e antropocentrismo implica em alinhar justiça social com justiça ecológica. O equilíbrio nessa relação é de fundamental importância. Não basta querer defender uma justiça ambiental se em contrapartida se relega às pessoas apenas uma nefasta injustiça. A destruição do cosmos provoca também feridas sociais insanáveis. Ou melhor, a degradação ambiental é parte de uma tragédia complexa, de uma crise cultural.
Percebe-se como a história apresenta uma bela fachada de progresso, de um futuro promissor através da evolução da Ciência e da técnica, mas esconde o lado apocalíptico, escuro e mortal das massas “sobrantes” do planeta e da crise ecológica que ameaça a vida humana na Terra.
Há uma ambiguidade fundamental na atual fase do mundo. Enquanto uma minoria do planeta já vive no futuro da informática, do mundo virtual, do conforto e da facilidade que a tecnologia pode oferecer, a grande maioria da população global, vive no passado, sem direito à saúde, educação, alimentação e moradia. Se esse sistema e esse estilo de vida perdurarem, não será possível pensar o futuro da espécie humana . Onde há cobiça, há também instrumentalização. A Terra instrumentalizada possibilita a manipulação dos seres humanos e a negação da justiça através de um jogo de poder e dominação.
Nem toda forma de ação humana é verdadeiramente uma humanização da história. Existe também uma história de trevas, onde o domínio técnico-científico, marcado pelo materialismo e guiado pelo jogo do poder e do mercado, deturpa e afeta a imagem de ser humano, alienada nas estruturas do mal.
A fé cristã professa que o universo está destino a participar da própria história íntima de Deus. Aqui, então, vale o princípio: nada se perde, tudo se transforma e mais, tudo será transfigurado em Deus.
Dom Leomar Antônio Brustolin – Arcebispo Metropolitano de Santa Maria e Presidente do Regional Sul 3