Tempo de Comunhão

Dentre as imagens mais marcantes de minha infância, não consigo esquecer a noite do Natal. As recordações que mapeiam minha mente não estão, entretanto, voltadas aos presentes, às comidas ou aos enfeites que delimitam bem o tempo no calendário. Carrego comigo a memória afetiva do altar.

Cresci em uma paróquia do interior. Um único padre, com quarenta comunidades para atender. Obviamente era impossível que aquele zeloso pároco celebrasse a eucaristia em cada capela. Na noite da véspera do Natal, os ministros da eucaristia de todas as comunidades participavam da missa solene. Esta realizava-se no salão paroquial, pois a igreja não comportava tantas pessoas.

Sobre o altar as quarenta píxides, com partículas a serem consagradas. Após a ação de graças, quando todos tínhamos comungado, os ministros levantavam-se, iam até o altar e recebiam das mãos do pároco os vasos contendo o Corpo de Cristo, despediam-se e levavam-nos para todos os recantos da interiorana paróquia.

Confesso a emoção que sentia ao vê-los partindo para levar o Senhor a todos que o desejassem receber em seus corações. Foi ali, nessa pequena aldeia que sedimentou-se em mim o sentido profundo, verdadeiro e maravilhoso do Natal: Natal é tempo de Comunhão!

Mais tarde, quando fui compreendendo – e aprendendo – tantas noções teológicas e históricas da encarnação de Jesus, isso tornou-se ainda mais evidente. Ele nasceu em Belém (a casa do pão), Ele multiplicou o pão no deserto para os famintos e deu-lhes algo maior, que foi a sua presença e  o seu amor. Ele, numa ceia, deixou-nos o memorial a ser celebrado até a sua volta, dizendo sem hesitar: “isto é o meu corpo”, “Eu sou o pão”. Ele apareceu aos discípulos e foi reconhecido ao partir o pão e hoje, sobre todos os altares do mundo, é Pão para os caminheiros.

Vemos ao nosso redor um mundo tão divido. Ricos que não se constrangem de esbanjar, enquanto milhões padecem de fome. Gente que não se envergonha de gastar dinheiro público, que deveria servir à proteção da vida e ao resgate da dignidade de muitos. E, diante de tudo isso, continuamos a celebrar o natal, a encarnação do verbo divino, que veio ensinar-nos o bem viver e a própria essência de Deus: a comunhão necessária, sem a qual não pode existir verdadeira vida e alegria.

Reportando-me àquela imagem do altar sobre o qual pairava o pão que seria distribuído, contemplo os benditos ensinamentos do Senhor a todos nós. Dentre tantas aprendizagens penso no quanto seria bom que nós, cristãos, diante do presépio do Menino Deus, pudéssemos fazer o firme propósito de empenharmo-nos em viver a comunhão e a fraternidade, numa abertura permanente aos irmãos, especialmente os mais sofridos, os abandonados, os pobres. Como seria bom se na noite do natal, já reconciliados com o Cristo, pudéssemos celebrar o “homem novo” habitando em nós, revestido da mesma misericórdia, caridade e amor avistada pelos pastores, naquela pobre-rica manjedoura, em Belém, a casa do pão, a casa da Comunhão!

Prof. Dr. Pe. Rogério Ferraz de Andrade