Tempo de conhecer o amor: entrevista especial com a missionária em Moçambique, Maria Bernardete Acadroli
Maria Bernardete foi enviada pelo Regional Sul 3 e pela Diocese de Caxias do Sul e esteve na missão em Moçambique durante 3 anos.
Em 15 de setembro de 2021, Maria Bernardete Acadroli embarcou rumo a Moçambique, sabendo pouco ou quase nada do que lhe esperava no lado de lá do Oceano Atlântico. A viagem tinha um sentido especial, não só pelo destino quanto pelo objetivo: integrar a equipe missionária do Regional Sul 3 em Moma, na Arquidiocese de Nampula.
Depois de cumprir os três anos previstos para estar na missão ad gentes, Bernardete retornou ao Brasil no último fim de semana. Residente em Garibaldi, na Diocese de Caxias do Sul, a leiga partilha algumas impressões da missão, da realidade moçambicana e da sua atuação no país africano durante este tempo que, segundo ela, mudou para sempre a sua vida.
Confira, a seguir, a entrevista na íntegra:
Você ficou 3 anos na missão em Moçambique, o que isso significou na sua vida?
Foi tempo de conhecer o verdadeiro amor, o amor que dá sentido à vida. O verdadeiro sentido da vida é o amor (amor ao próximo). Amar para ser amada.
Deste tempo quais as maiores alegrias?
Sentir e vivenciar o amor do povo, ajudar as pessoas na área da saúde e as mulheres em vários aspectos.
E os desafios?
No princípio a língua, depois os recursos para a saúde. Também na educação, a falta de incentivo dos pais ou responsáveis pelas crianças.
A missão do Rio Grande do Sul está celebrando 30 anos em Moçambique e a CNBB no Regional, 60. O que você acha que a missão ad gentes tem a contribuir com a Igreja no Rio Grandedo Sul?
Primeiramente, trazendo para uma experiência e vivência aqui no Brasil, os padres ordenados que passaram no Lar Vocacional (saiba mais sobre o Lar Vocacional, aqui).
Nas reuniões dos Conselhos Missionários Regional e Diocesanos, trazer presente a equipe missionária sempre que possível, para uma partilha de experiências, mostrando a realidade vivida pelo povo moçambicano e pelos missionários e missionárias.
Precisamos de instituições mais sensíveis e amorosas, que percebam qual o verdadeiro sentido da vida e do projeto de Deus para cada um de nós e nossa missão aqui na terra. Sendo menos materialista e exibicionista, mais humana e acolhedora.
A missão do RS tem sempre a característica de ter leigos na equipe. No seu ponto de vista, por que é importante que o Regional Sul 3 envie leigas e leigos à missão?
Nesses três anos de missão, pude ver e perceber que a presença de leigas na missão é tão importante quanto a dos padres. Os padres têm seus encargos e afazeres direcionados às paróquias, enquanto os leigos estão mais disponíveis e trabalham em todas as áreas, dependendo da vontade, disponibilidade e característica de cada um.
Também acredito que as leigas sempre terão sempre um grande papel na missão Moma, devido ao contexto de vulnerabilidade das mulheres. A escuta, o desabafo, a ajuda nas dores e sofrimento das mulheres são, em alguma medida, caminhos para acolher e curar no afeto e no carinho que nós, mulheres, podemos oferecer àquelas que sofrem.
Como vão os projetos sociais desenvolvidos pela equipe missionária? Você pode contar umpouco sobre eles?
Todos os projetos vão bem, cada qual responde a sociedade com seu propósito.
O Murima Wa Mwana (do macua: Coração de Criança) é uma escolinha criada em 2017 para reforçar o estudo das crianças da primeira à sexta classe. Enquanto as crianças do pré 1 e 2 estão na fase de aprendizado, conhecimento de letras, números, desenhos, brincadeiras e contos. O projeto também oferece alfabetização aos adultos, em especial às mulheres. Com isso, ajuda e incentiva a educação, desde as crianças até os adultos. Muitas mulheres que passaram pelo projeto já estão na escola secundária cursando a sétima, oitava e nona classe, para orgulho e alegria da equipe missionária. Os professores voluntários que ajudam na alfabetização, estão em constante formação, através de encontros, reuniões, conversas individuais, além do convívio e contato com as crianças diariamente.
A Biblioteca Watana (do macua: comunhão), é um espaço para pesquisa e trabalhos da escola dos alunos da sétima até a décima segunda classe, bem como incentivo à leitura para toda população de Moma. Temos livros de contos, histórias e romances. Neste último ano avaliamos que o acesso a biblioteca reduziu, especialmente porque a internet e os telefones digitais se popularizaram em Moma, resultando na diminuição da procura dos livros. Por um lado, é bom, mas penso que ler e pesquisar é sempre melhor do que encontrar pronto. Na biblioteca, os facilitadores ajudam na procura dos livros e até mesmo na produção dos trabalhos, as vezes de uma máteria, mas contida em outro livro. Assim estudam e ajudam os colegas nas suas dúvidas e trabalhos.
E o projeto que você iniciou com as mulheres, como foi?
Sempre tive vontade de ensinar algo para as mulheres, mas vivia ocupada nas visitas missionárias, sacramentos, avaliações, formações e projetos sociais… Enfim, tudo que a missão ad gentes nos exige a cada dia.
Resolvi dar um tempo a essas saídas para me dedicar às mulheres. Tenho maior orgulho dessas 11 mulheres guerreiras e batalhadoras. São mulheres hábeis e inteligentes. Em 3 meses elas aprenderam a fazer crochê e com duas aulas de bordado já fazem coisas lindas. Já comercializam seus produtos para sua renda e isso enche meu coração de alegria.
Para concluir, o que você deseja à missão para os próximos 30 anos?
Que siga sendo ministerial, que receba sempre missionários e missionárias dispostos a dialogar e viver na cultura, abertos a um novo estilo de vida, com vontade, ânimo, fé e esperança de ensinar e propagar o amor. E, assim, projetar dias melhores ao povo atendido pela missão do Regional Sul 3 em Moçambique, Moma.
Victória Holzbach | CNBB Sul 3