Tempo de cuidar da criação!
Afagar a terra, conhecer os desejos da terra, tirar da terra a doçura do mel…(Milton Nascimento)
No último dia 01 de setembro a humanidade foi motivada a dedicar o dia à oração pelo cuidado da criação. Esta data de fundamento místico espiritual, mas também de compromisso universal, dá início ao “tempo da criação” que se estende até o dia 04 de outubro, memória festiva de São Francisco de Assis. O Papa Francisco sugere este evento em continuidade à proposta da Igreja Ortodoxa que já tem feito esta dedicação. A perspectiva, segundo o Papa Francisco, é que neste período os cristãos “renovem em todo o mundo a fé em Deus criador e se unam de maneira especial na oração e na ação pela preservação da casa comum”.
A proposição se efetiva em um contexto de enfermidade humana, causada pelo Covid 19, que mexeu com nossas pretensas seguranças. Tal enfermidade foi antecedida pela doença do Planeta terra, como Francisco expressa na Encíclica Laudado Si e que não se deve deixar de repetir: entre os pobres mais abandonados e maltratados, conta-se a nossa terra oprimida e devastada (Cf. LS 2). A exploração desenfreada e irresponsável do ambiente de vida pelo ser humano gerou a enfermidade da terra que se estende à humanidade. Na mensagem de abertura ao tempo de oração e cuidado da criação o Papa sugere uma parada e a consequente retomada de hábitos simples e sustentáveis, que permitirão o alívio da casa comum. Disse: “devemos aproveitar este momento decisivo para acabar com atividades e objetivos supérfluos e destrutivos, e cultivar valores, vínculos e projetos criadores”.
Este tempo é importante. É também uma forma de nos voltarmos cuidadosamente e amorosamente para a obra de Deus que foi importante na vida de cada ser humano em todos os seus momentos. É tempo de cuidarmos uns dos outros e cuidarmos da nossa casa comum pela oração e pela ação organizada.
Quando o ser humano veio ao mundo a criação já existia. A tradição bíblica, que relata a criação por obra do amor de Deus, afirma que o ser humano foi criado após a obra estar concluída, ou seja, ele não foi significativo na criação, não a influenciou, não tomou parte no que foi feito e que era muito bom (cf. Gn 1,25). Segundo o texto bíblico foi feito do pó, acrescido do sopro divino (Gn 2,7). Recebeu a tarefa de cultivar e guardar o que já estava pronto (Gn 2,15) como forma de participar da obra criada. Os cientistas também afirmam a formação da terra muito antes que do surgimento do ser humano. Não criamos a terra, fomos acolhidos por ela que se fez a nossa casa, como já era a morada dos outros seres criados, a casa comum.
A criação que acolheu o ser humano é também responsável pela sua sustentação. Os alimentos são dom de Deus e brotam da natureza para a satisfação da pessoa e dos animais (cf. Gn 1,29; 2,9). Não lograríamos êxito na existência sem as benesses que a natureza oferece, às quais o nosso gênio humano aperfeiçoa. Salientamos: homem não cria, aperfeiçoa o que a natureza lhe oferece.
Finda a nossa jornada entre a humanidade somos novamente acolhidos na terra de onde saímos (cf Gn 2,7). Por isso, muitos povos fazem questão do sepultamento no solo, no chão de onde consideram ter saído. A terra que gerou e acolheu a pessoa a partir do sopro vital, a acolhe novamente no final da sua jornada, sem o sopro vital, mas, que segundo a fé cristã, permanecerá por pouco tempo como, estágio para a vida eterna pela graça da ressurreição.
São três processos fundamentais na vida humana em profunda conexão com a criação. Não é possível nos apartarmos desta mãe ou irmã que nos acolhe, alimenta e nos acolhe novamente na transição para a vida eterna. Para além da não separação faz-se necessário outras atitudes, sobretudo a recuperação do princípio do cuidado com a criação como têm ensinado os povos tradicionais. Ela acolheu e cuidou da humanidade. É tempo de devolvermos esta atitude cuidadosa a qual negligenciamos nos últimos séculos. Neste tempo da criação vamos refletir e rezar a necessidade do cuidado da obra criada.
Na mensagem destinada para o dia mundial de oração de cuidado da criação o Papa menciona o tempo jubilar. É o tempo do jubileu da mãe terra, sobretudo para o seu repouso e a restauração. Quem cuidou da humanidade, mesmo sendo continuamente maltratada, precisa deste tempo.
Pe. Ari Antonio dos Reis