Texto de apoio – Campanha da Fraternidade: Biomas brasileiros e defesa da vida

cf pequenoDesde 1962 a Igreja Católica promove a Campanha da Fraternidade (CF) no período quaresmal e propõe um tema social para reflexão pessoal e comunitária. Neste ano, a CF traz o tema: “Fraternidade: biomas brasileiros e defesa da vida” e o lema: “Cultivar e guardar a criação” (Gn 2,15). Com o objetivo geral de “cuidar da criação, de modo especial dos biomas brasileiros, dons de Deus, e promover relações fraternas com a vida e a cultura dos povos, à luz do Evangelho” (Texto-base, n. 10).

A Igreja tem grande preocupação com a vida em sua integralidade e não pode deixar de fora os desafios ecológicos, sobretudo, no limiar do terceiro milênio em que a população brasileira passa de 200 milhões, sabendo que mais de 80% está vivendo em cidades. Essa concentração populacional gera um impacto ao meio ambiente que põem em risco as riquezas dos biomas brasileiros.

À luz da fé, do Magistério da Igreja, sobretudo, da encíclica Laudato SI, a CF de 2017 aponta os desafios e pistas de ação perante os biomas e os povos que neles vivem. Por biomas se entende o conjunto de ecossistemas com características semelhantes dispostos em uma mesma região.

No Brasil há seis biomas: a Mata Atlântica, a Amazônia, o Cerrado, o Pantanal, a Caatinga e o Pampa. Neles, vivem pessoas, povos, frutos da miscigenação brasileira. A Sagrada Escritura não trata diretamente deles, mas oferece elementos que iluminam a temática em defesa da vida em sua integralidade.

Amazônia, pulmão do mundo

A Amazônia é o maior bioma do Brasil e ocupa 61% do território nacional, formado pelos estados da região norte: Acre, Amapá, Amazonas, Pará e Roraima, Rondônia e Tocantins. A Lei n. 1806 de 1953 inseriu neste bioma os estados do Mato Grosso e Maranhão, criando a Amazônia Legal. É caracterizado pela maior hidrográfica de água doce do mundo. Também pelo rio aéreo denominado evapotranspiração, que leva água em forma de vapor pela região Centro-Oeste, Sul, Sudeste do Brasil.

A vegetação do bioma Amazônia é de árvores altas que abriga mais da metade de todas as espécies vivas do Brasil. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE/2016) houve redução no processo de desmatamento da Amazônia, mas, ainda continua e são mais de 700.000 quilômetros quadrados de desmatamento. Nesta região vivem aproximadamente 24 milhões de pessoas, sendo que 80% delas nas áreas urbanas.

Os conflitos e a violência contra os trabalhadores do campo se concentram de forma expressiva. O manejo florestal passou a ser uma atividade na qual foram inúmeras as denúncias de trabalho escravo. O desmatamento privado para fins da pecuária, construção de grandes hidrelétricas e atividades de mineração tem causado danos ambientais e sociais às comunidades indígenas, ribeirinhos e quilombolas.

Caatinga, mata clara e aberta

A Caatinga tem origem indígena e significa “mata clara e aberta”, e se encontra envolvida pelo clima semiárido entre a estreita faixa da Mata Atlântica e o Cerrado.  É um bioma exclusivamente brasileiro e abrange territórios de 8 estados do Nordeste e o Norte de Minas Gerais, onde vivem cerca de 27 milhões de pessoas.

A Caatinga proporciona grande riqueza de ambientes e espécies que não são encontrados em outros biomas. A seca, a luminosidade e o calor característicos de áreas tropicais resultam numa vegetação de savana estépica, espinhosa e decidual, com dois períodos secos anuais: um de longo período de estiagem, seguido de chuvas intermitentes e um de seca curta seguido de chuvas torrenciais. Dos ecossistemas originais da caatinga, 80% já foram alterados, por causa de desmatamentos e queimadas para plantio de culturas que raramente se adaptam. O gado bovino solto e a geração de madeira para a indústria de gesso e para carvoarias agridem a região, gerando desertificação.

Segundo o texto base da CF, 70% do seu subsolo é formado por rochas cristalinas, poucas nascentes e rios perenes, poucos aquíferos. Sua fauna abriga 178 espécies de mamíferos, 591 tipos de aves, 177 tipos de répteis, 79 espécies de anfíbios, 241 classes de peixes e 221 espécies de abelhas.

Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 40% da população do bioma vive no meio rural. Os centros urbanos médios e pequenos crescem e a população padece pelos problemas de saneamento e a violência.

Cerrado, caixa d’água do Brasil

O Cerrado tem estações climáticas bem definidas: chuva e seca. O solo é de composição arenosa localizado na região Centro-Oeste e também na região oeste de Minas Gerais e das regiõesmapa-biomas sul do
Maranhão e do Piauí. Abriga mais de 6,5 mil espécies de plantas já catalogadas. Nestas regiões vivem aproximadamente 22 milhões de pessoas.

O Cerrado é uma região com planaltos, extensas chapadas, florestas de galeria, conhecidas como mata ciliar e mata ribeirinha, ao longo do curso d’água. Também de vereda em vales encharcados composto de agrupamentos da palmeira buriti sobre uma camada de gramíneas.

O conjunto de todos os seres vivos do cerrado representa 5% da fauna mundial. A alta diversidade de ambientes se reflete em uma elevada riqueza de espécies vegetais (23.000) e animais (320.000), sendo que 90.000 são de insetos. Entretanto há que se alertar que das 427 espécies listadas em risco de extinção, 132 estão no Cerrado.

O Cerrado não produza água, mas acumula as águas das chuvas em seu subsolo poroso, principalmente as vindas dos “rios aéreos” amazônicos, e recebe o título de “Caixa d’água” do Brasil. O bioma abastece a bacia do Rio São Francisco, mas é muito frágil em sua capacidade de resistência e regeneração.

Os indígenas, junto com os camponeses, constituem os grupos importantes. São os guardiões do patrimônio ecológico e cultural do bioma. Porém, o agronegócio produz amplo desmatamento e isolam a terra desses povos, modificam a química do solo, alteraram o curso das águas, trazendo grande prejuízo a todo o território. O que mais preocupa é sua destruição não reconstituível.

Mata Atlântica, conjunto florestal 

Segundo informações do (IBGE), a Mata Atlântica abrangia uma área equivalente a 1.315.460 quilômetros quadrados e se estendia originalmente por 17 estados. Atualmente restam 8,5% de remanescentes florestais, que somados os fragmentos chegam a 12,5% da área original.

O principal tipo de vegetação é a floresta composta por árvores altas relacionadas a um clima quente e úmido. A Mata Atlântica já foi um dos mais ricos e variados conjuntos florestais pluviais da América do Sul, mas hoje é o bioma mais descaracterizado. Nele vivem mais de 220 mil espécies de plantas, sendo 8 mil endêmicas, 270 espécies conhecidas de mamíferos, 992 espécies de aves, 197 répteis, 372 anfíbios e 350 peixes. Das 633 espécies de animais ameaçados de extinção no Brasil, 383 estão na Mata Atlântica.

Originalmente, os povos Tamoio, Temininó, Tupiniquim, Caetés, Tabajara, Potiguar, Pataxó e Guarani ocupavam o território litorâneo e foram os primeiros a sofrerem com a chegada dos colonizadores.

Uns dos problemas do bioma são as interferências no processo cultural pelas empresas nacionais e transnacionais, que investem na monocultura do eucalipto e pinus, o que provoca o “deserto verde”. Outra preocupação são os desmoronamentos e a falta de saneamento básico nas grandes e pequenas cidades. O maior problema deste e de outros biomas “são as consequências de um modelo econômico que para gerar riqueza tem que concentrar pessoas e destruir o ambiente no qual se insere” (CF. n.140).

No Nordeste, milhares de comunidades tradicionais pesqueiras dependem dos manguezais, que para elas, a região é uma espécie de lugar sagrado, demonstrado pelo profundo respeito às águas, a lama, ao cheiro, a fauna e flora, que reflete uma linguagem de louvor ao Criador.

Pantanal, grande extensão úmida do planeta 

De acordo com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBMA), o Pantanal é uma das maiores extensões úmidas contínuas do planeta. Com apenas uma pequena faixa dele presente no Paraguai e na Bolívia, é quase exclusivamente brasileiro. É caracterizado por inundações de longa duração que ocorrem anualmente na planície, e provocam alterações no ambiente, na vida silvestre e no cotidiano das populações locais. Sua vegetação predominante é a savana.

Quando o período chuvoso acaba, os rios diminuem o seu volume d’água e retornam para os seus leitos. Por essa razão, a vegetação e os animais precisam adequar-se a essa movimentação das águas. A fauna é constituída por várias espécies de aves, peixes, mamíferos, répteis etc.

Os primeiros habitantes foram os indígenas com cerca de 1,5 milhões. Esta população atualmente é muito pequena e grande parte dela vive em cidades da região ou trabalham nas fazendas. Pequena parte reside numa área indígena do Pantanal. A população no pantanal brasileiro hoje é de aproximadamente 1.100.000 pessoas.

Apensar da ilegalidade, o tráfico, a caça e a venda de peles, couro ou artefatos oriundos de animais silvestres são práticas que ocorrem na região. Várias espécies de animais já estiveram ameaçadas de extinção. O avanço da agropecuária também é um fenômeno preocupante para o bioma.

Pampa, campo aberto, sujo ou limpo

O bioma Pampa ocupa 63% do Rio Grande do Sul e constitui os pampas sul-americanos, que se estendem pelo Uruguai e pela Argentina. Marcado por clima chuvoso, sem período seco regular e com frentes polares e temperaturas negativas no inverno. É influenciado pelo clima subtropical e pela formação do relevo, constituído principalmente por planícies. Em virtude do clima frio e seco, a vegetação não se desenvolver, sendo constituída principalmente por gramíneas.

Estimativas indicam valores em torno de três mil espécies de plantas. A fauna é expressiva, com quase 500 espécies de aves. Também ocorrem mais de 100 espécies de mamíferos. O vento é uma das características marcantes do cenário. Porém, a expansão das monoculturas e das pastagens tem levado a uma rápida degradação e descaracterização das paisagens naturais. Em 2002 restavam 41,32% e em 2008 apenas 36,03% da vegetação nativa.

Os primeiros europeus a ocupar o Estado foram os jesuítas espanhóis vindos do Paraguai, fugindo dos bandeirantes paulistas e no século XVIII chegaram os negros. A partir do século XIX surgem as fazendas com caráter de subsistência e comercial.

A mulher assumiu papel importante na conservação do Pampa por serem as responsáveis pelas lidas domésticas, alimentação da família e cuidado com os filhos, enquanto o esposo cuidado do gado do fazendeiro.

A ovinocultura, tanto pelo uso da carne como da lã, ainda é forte na região, mas sua principal atividade continua sendo a criação do gado bovino. O chimarrão, o churrasco, a música de fronteira são riquezas culturais.

Entre os desafios e as fragilidades hoje estão às iniciativas governamentais que contrariam a vocação natural da região para a pecuária e o turismo. Inclui plantios de pinus e eucaliptos que alterara os recursos hídricos, interferem no regime dos ventos e na evaporação. A monocultura, o plantio de eucalipto, acácia e pinus formam o “Deserto Verde”. Nessa região latifundiária há muitas famílias de pequenos agricultores, indígenas e quilombolas que necessitam de apoio e valorização.

Visão bíblica da obra da criação

A criação é obra da bondade divina do Criador e entregue aos cuidados do homem. Nos dois relatos da criação (Gn 1,1-2,4a) e (Gn 1,3-24) o Criador colocou o homem como guardião de toda obra criada. Mas pela desobediência, ruptura com o Criador e mundo criado entrou o pecado como consequência da queda a hostilidade da terra ao homem (Gn 3,19). Porém, ao longo da História da Salvação Deus falou pelos profetas e por último enviou seu Filho para restaurar o rompimento original.

A criação é obra prima das mãos de Deus (Salmo 8).  A acusação que a ordem de Deus “enchei a terra e submetei-a” (Gn 1,28) favoreceria a exploração selvagem da natureza se baseia em uma má compreensão do texto.  O Papa Francisco na encíclica Laudato SI explica que “cultivar” quer dizer proteger, cuidar, preservar, velar. Isso implica uma relação de reciprocidade responsável entre o ser humano e a natureza. A criação pertence a Deus  (Sl 24; Lv 25,23). O homem, que é imagem e semelhança de Deus, recebeu a vocação de cuidar e guardar com atenção dos seres que dela fazem parte.

Assim, por meio da contemplação da natureza o ser humano é convidado por Jesus a compreender que sua vida está nas mãos de Deus (Mt 6,28-29). Somente buscando o Reino de Deus em primeiro lugar o homem pode libertar-se do incansável desejo de possuir (Mt 6,33-34) e destruir a natureza ao seu bem prazer.

Visão do Magistério da Igreja

Os desafios da convivência com os biomas não são tratados diretamente no Magistério, mas são iluminados por uma reflexão a respeito da interligação da obra da criação pela consciência ecológica.

O Papa emérito Bento XVI, conhecido por “o primeiro papa verde”, na sua mensagem para o sexagésimo Dia Mundial da Paz, de 01 janeiro de 2007, retomou e consolidou a relação inseparável que existe entre ecologia da natureza, ecologia humana e ecologia social.

E na encíclica Caritas in Veritate, de 29 junho de 2009, recordou a urgência de uma solidariedade que leve a uma redistribuição mundial dos recursos energéticos, de modo que os próprios países desprovidos possam ter acesso a eles. Na audiência Geral de 26 de agosto de 2009 afirmou: “é indispensável converter o atual modelo de desenvolvimento global para uma maior e compartilhada assunção de responsabilidade em relação à criação: isso é exigido não só pelas emergências ambientais, mas também pelo escândalo da fome e da miséria”.

O Papa Francisco deu continuidade com seus antecessores ao apresentar uma visão global, uma ecologia integral. Em sua exortação apostólica Evangelii Gaudium, de 24 de novembro de 2013, afirmou: “Nós, os seres humanos, não somos meramente beneficiários, mas guardiões das outras criaturas. Pela nossa realidade corpórea, Deus uniu-nos tão estreitamente ao mundo que nos rodeia que a desertificação do solo é como uma doença para cada um, e podemos lamentar a extinção de uma espécie como se fosse uma mutilação” (EG n. 215).

O Papa Francisco chama a atenção que o tempo para encontrar soluções globais está acabando. Por isso produziu um documento oficial sobre a ecologia. A Laudato SI, promulgada em 24 de maio de 2015. É a primeira encíclica ecológica e indica como um dos eixos fundamentais da reflexão ecológica a relação íntima entre os pobres e a fragilidade do planeta. Tanto a natureza como os pobres são usados como formas para o lucro fácil: exploração da mão de obra barata e extração desenfreada dos recursos naturais, tudo em nome do lucro fácil disfarçado de progresso humano.

 

Síntese compilada pelo jornalista Judinei Vanzeto

Fonte: Texto-base CF/2017.

 

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