Um Dia Mundial dos Pobres!?
Celebramos com destaque alguns dias do longo calendário do ano para interromper a rotina que tende a engolir a todos com sua disfarçada voracidade, mas também para evidenciar valores e princípios preciosos e não queremos perder. Por isso celebramos o dia das mulheres, o dia das mães, o dia dos pais, o dia das crianças, o dia dos namorados…
A ONU também tem seu calendário, e pede que todos os povos celebrem algumas datas, entre as quais: o dia das florestas; o dia da água; o dia da terra; o dia da democracia; o dia da alimentação; o dia da paz; o dia da justiça social; o dia dos direitos humanos; o dia dos refugiados; o dia da juventude; o dia dos migrantes; o dia das vítimas da escravatura; o dia de luta contra o trabalho infantil; o dia de luta contra o tráfico de pessoas humanas…
Por sua vez, as comunidades cristãs celebram dias especiais nos quais recordam eventos e pessoas que mantém vivo o melhor do passado no qual lançam suas raízes e apontam para o horizonte que sonham e para o qual caminham: o natal, a morte e a ressurreição de Jesus; outros momentos cruciais da vida de Jesus, como pentecostes, transfiguração e ascensão; a vida dos profetas, dos mártires, das testemunhas, dos santos e santas…
Com o passar do tempo, algumas destas datas e celebrações foram se afastando do seu sentido histórico, assumindo traços das culturas e territórios e perdendo seu sentido especificamente cristão. Parte delas foi apropriada pelo comércio e transformada em diversão e mercadoria, em fonte de lucro para alguns e em distração para muitos. Outras simplesmente perderam sua força religiosa e propulsora de valores e utopias.
Em 2017 o Papa Francisco surpreendeu o mundo, tão acostumado a tornar invisíveis os pobres e as vítimas que produz, pedindo que celebremos anualmente o Dia Mundial dos Pobres. Há quem questione as razões de dar tanta visibilidade aos pobres, e quem pergunta se dedicar aos pobres apenas um dia vai mudar a condição que eles vivem. Outros ainda acusam o Papa de estar cedendo a ideologias políticas esquerdistas…
Entretanto, a vida histórica e a memória de Jesus de Nazaré, no qual os cristãos fixamos o nosso olhar, deu aos pobres, às vítimas e excluídos do seu tempo a primazia absoluta: ele deu sua vida e recebeu a condenação de cruz por causa deles, e afirmou sem titubear que eles são seus vigários, seus representantes. Certamente, sua vida cotidiana e as causas que abraçou pedem que o visualizemos mais como um pobre que como um rei.
Há 60 anos, o Concílio Vaticano II dizia que Cristo realizou a obra da salvação na pobreza e na perseguição, assumiu a condição de servo, evangelizou os pobres, aliviou os corações feridos, buscou os que se haviam perdido. Por isso a Igreja, reconhecendo nos pobres e desvalidos a imagem de “seu fundador pobre e sofredor, é “chamada a trilhar o mesmo caminho, servindo os pobres e combatendo a pobreza” (cf. Lumen Gentium 8).
Dom Itacir Brassiani, msf – Bispo de Santa Cruz do Sul