Uma Trezena de Luz
De 23 de outubro a 4 de novembro, o venerável quadro da “Medianeira de Todas as Graças” percorrerá, mais uma vez, as ruas da cidade a ela dedicada: Santa Maria, no coração do Rio Grande do Sul. Serão treze paróquias que celebrarão a Eucaristia sempre às 20 horas, reunindo os fiéis de Jesus Cristo nos passos da Mãe. A novidade deste ano é que, ao final de cada dia da trezena, será realizado um lucernário: uma celebração com velas que recorda a noite santa da Páscoa, quando, no Círio Pascal acendem-se a vela de cada cristão recordando o dom da fé.
Passada a noite escura da pandemia, superado o frio do flagelo, das mortes e do luto, é hora de acender as lâmpadas da fé para aquecer a existência e iluminar os caminhos que ainda deveremos percorrer. Com Maria, é preciso aprender a ressignificar o sofrimento, o pranto e a morte. Transfigurar a dor em amor.
A Virgem Maria meditou, em seu coração, os momentos vividos com Jesus: a Anunciação do Anjo, as Bodas de Caná, as palavras e os gestos de seu Filho em Cafarnaum. A tradição da Igreja sempre viu, na Mãe de Jesus, a inspiração para todos os cristãos suportarem as muitas Sextas-Feiras Santas da história enquanto não amanhece o Domingo de Páscoa. Quando a dor atinge o seu grau máximo, e o silêncio parece calar todas as forças, a Mãe de Jesus acompanha o cristão para que ele não perca a fé, não deixe que lhe roubem a esperança e não canse de amar.
Diante do sofrimento, da crueldade e da morte, o coração humano se questiona, duvida e se inquieta. A fé pode ser abalada, e a busca por respostas fáceis e cômodas pode até alienar. Crer não é compreender tudo, mas é acolher a vida como um dom, é confiar na fidelidade de Deus que jamais abandona seus filhos. Mesmo quando a densidade da treva domina, o crente acende uma pequena lâmpada que dissipa qualquer escuridão.
É a luz da fé, que não elimina o paradoxo, a ambiguidade e a crise, mas ilumina humildemente, cada instante, com a memória da fidelidade experimentada no passado. Todo cristão, mesmo diante do absurdo de certas experiências, não deixa de confiar, pois conhece a fidelidade do Senhor e sua promessa de jamais abandonar a obra de suas mãos.
Maria é a mulher forte que crê e reflete sobre a fidelidade de Deus. Por isso, ela tem olhos abertos, ouvido de discípula e coração voltado ao Senhor que cumpre o que prometeu. Pela fé, o passado purifica a angústia do presente e remete ao futuro, depositário das promessas do Deus fiel.
A fé se traduz em paciência e perseverança. Essas atitudes são próprias de quem não enxerga tudo claro e pronto. Elas sustentam diante dos desafios do desânimo e do desespero. A Virgem Maria, Mãe da Esperança Viva (1Pe1,3) educa todo discípulo de Cristo a não cair nas artimanhas de um mundo sem futuro. Esperar é superar o desespero e vencer a falsa esperança.
Na noite escura da fé, quando tudo parece vazio, o Amor é fiel e companheiro da caminhada. Maria sofre, mas confia; aperta o coração, mas não desanima; não tem tudo claro, mas espera no Amor. Nas pegadas de Maria, vivemos o presente da nossa existência. Há muitas Sextas-Feiras Santas ao longo de uma vida. São as experiências pascais que o seguidor de Jesus também vive. Na Trezena da Medianeira de 2022, celebra-se essa luminosidade da fé. Feliz quem acredita, porque Deus sempre cumpre o que diz.
Dom Leomar Antônio Brustolin – Arcebispo Metropolitano de Santa Maria