Valdirene Evaldt e a força do coletivo na produção orgânica

Valdirene Evaldt acredita no trabalho conjunto e na agricultura familiar como garantia de alimentos mais saudáveis ao consumidor. Confira mais uma história da série de reportagens da 41ª Romaria da Terra do RS.
Por Anelise Durlo
Entre morros, córregos e plantações, Morrinhos do Sul evoca a simplicidade e a força que a produção familiar representa na agricultura. Durante o caminho, são as pequenas propriedades com o cultivo de hortifrutigranjeiros e os bananais na encosta do morro que dão o tom da economia local, ao contrário das grandes áreas e das monoculturas que refletem o agronegócio brasileiro. Só em 2017, segundo o Levantamento Sistemático da Produção Agrícola, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o arroz, o milho e a soja estão entre os principais produtos cultivados no país, responsáveis por 93,5% da estimativa de produção.
As monoculturas com a expectativa de obter aumento do volume produzido têm apresentado consequências ambientais e sociais desastrosas, provocando destruição da biodiversidade e esgotamento dos solos, além de os países das regiões mais pobres do planeta estarem passando fome, já que sua produção é primária e destinada, quase que exclusivamente, para exportação.
Valdirene Steffen Evaldt, 40 anos, no entanto, vai à contramão dos dados e é uma das produtoras que faz parte da economia do cultivo diversificado e familiar. Além de estar inserida em um nicho que é responsável pela produção de 70% dos alimentos que chegam à mesa do consumidor no país – de acordo com dados do Censo Agropecuário de 2006, o mais atual até então – Valdirene figura um mercado ainda mais específico: o de produtos orgânicos.
A agricultora, o marido e o filho estão entre os produtores da Associação dos Colonos Ecologistas da Região de Torres – ACERT TRÊS PASSOS, que reúne seis famílias de Morrinhos do Sul – ligadas à Rede Ecovida de Agroecologia, que é um Sistema Participativo de Garantia – SPG), uma organização no sul do país que reúne associações e cooperativas de produtores e consumidores de alimentos livres de pesticidas e preocupados com a preservação do meio ambiente e venda direta ao consumidor – que abastecem feiras orgânicas em Porto Alegre há 26 anos. Atualmente, a família já comercializa em três feiras, dentro de uma gama de mais 30, que ocorrem na capital.
Contudo, o trabalho só foi possível ao longo dos anos porque as famílias associadas se uniram e se estruturaram. Hoje, possuem ônibus próprio e um sistema organizado – cada associado se especializou em diferentes produções, a fim de oferecer alimentos diversificados – que leva os hortifrutigranjeiros todo sábado direto ao consumidor. “Se tu juntas um grupo de famílias, que produzem de maneira igual e vão juntos [às feiras], torna esse trabalho viável. Por isso eu acredito no trabalho coletivo, senão fica mais difícil”, observa.
Um levantamento divulgado em 2016 pela Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e Cooperativismo (SDC), vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), revelou que nos últimos três anos houve aumento no número de unidades que realizam o plantio de orgânicos no Brasil, dobrando de 6.700 unidades, em 2013, para 15.700, em 2016. No entanto, os números ainda são tímidos. O mesmo estudo mostra que, no ranking das regiões que mais produzem alimentos orgânicos, o sul do país está em último lugar.
Para Valdirene, embora seja possível notar a crescente procura por alimentos mais saudáveis, e automaticamente o plantio também aumente, o cultivo ainda é muito tímido, se comparado às grandes produções e às monoculturas. “No contexto mundial somos um por cento de produção orgânica. Por que, se é saudável, se é bom para saúde tanto de quem produz como de quem consome?”, reflete.

Valdirene atuando na Feira Ecológica em Porto Alegre – FAE/Divulgação
Valdirene avalia ainda que há muitos obstáculos para fortalecer a produção e o consumo de alimentos orgânicos, como a falta de políticas públicas e a conscientização de agricultores e consumidores, que muitas vezes optam por alimentos da agricultura convencional por serem mais baratos. “Não entendo porque as pessoas não aderem à produção. Tem gente que diz que vamos passar fome, porque não dá para produzir sem veneno. Mas estamos aqui há 26 anos”, salienta.
Consciência na agroecologia e mulheres no campo
De família de agricultores, Valdirene começou a se envolver com o debate da agricultura ecológica ainda na adolescência, aos 13 anos, quando entrou na Pastoral da Juventude Rural – PJR. “Fui acompanhando e vi que era interessante poder continuar trabalhando, ter a tua renda, sem usar veneno, sem prejudicar a saúde e ainda produzir um alimento puro. E a Pastoral da Juventude abraçou isso como forma de os jovens ficarem no campo. Então passei a participar, pois era uma chance de ficar na terra.”.
Anos depois, quando a mãe faleceu e o pai dividiu parte da propriedade com os herdeiros e foi morar em outra comunidade, Valdirene fez sociedade com um de seus irmãos para produzirem alimentos orgânicos, parceria que seguiu mesmo depois de casada, em 2008. E com o casamento, surge mais uma força no projeto, o marido Aloísio Siqueira Cassol, mesmo acostumado à produção de monoculturas em Cachoeira do Sul, deu seguimento ao cultivo diversificado na família. “Para ele foi muito difícil no começo, porque ele vem de uma realidade de plantação de soja, de arroz, em grandes áreas, com muito agroquímico. Mas aos poucos foi se adaptando”, recorda.

Com o apoio do marido Aloísio, Valdirene e a família fazem parte de uma associação que comercializa produtos orgânicos em feiras em Porto Alegre há mais de 20 anos
Com o apoio do marido, Valdirene faz parte da coordenação da Rede Ecovida de Agroecologia, onde atua como secretária, defendendo e promovendo maior participação das mulheres, sabendo que elas são parte fundamental na cadeia da produção das propriedades orgânicas. “Em uma reunião da Rede Ecovida, por exemplo, que engloba todos os produtores orgânicos da região com mais de 200 famílias, a participação de mulheres ainda é tímida. Ano passado tentamos fazer uma motivação para participação das mulheres nas plenárias e elas não foram. Por que, eu não sei, pois, inseridas na produção, na feira, elas estão”.
Mesmo com os desafios e uma cultura ainda fortemente ligada ao uso de agrotóxicos nas plantações, Valdirene olha toda sua trajetória ligada aos alimentos orgânicos com carinho e sem arrependimentos. “Quando tu plantas e vai lá à feira e vende é muito bom. Tem todo esse envolvimento de produção e comercialização, então é o que me deixa feliz. Além disso, acredito que é possível viver da produção orgânica. Conseguimos manter famílias, garantir estudo aos nossos filhos, nos mantermos na propriedade e produzir um produto limpo”.

Na propriedade de Valdirene, a produção de orgânicos é diversificada e são cultivadas frutas, verduras e legumes, como banana, goiaba, alface e vagem
Romaria da Terra
Com o tema “Mulheres Terra: resistência, cuidado e diversidade”, a 41ª Romaria da Terra do RS busca promover o debate de questões relacionadas aos direitos no meio rural e na terra, o empoderamento feminino, as reivindicações da população e fortalecer o diálogo entre lideranças e comunidade. O evento será realizado no município de Mampituba, em 13 de fevereiro de 2018.
De acordo com Valdirene, a Romaria da Terra também é um importante ponto de encontro entre as comunidades, os movimentos sociais e rurais e as pastorais, a fim de discutir e propor ideias para os temas de relevância. “É um momento de celebrar e ainda de denunciar os obstáculos que acontecem dentro da agricultura. Por isso, acredito que a Romaria da Terra acontece porque existe a agricultura familiar. Não são os grandes proprietários que a organizam, mas sim os pequenos produtores”, completa.
Evento
A 41ª Romaria da Terra é organizada em conjunto pela Pastoral da Terra do Rio Grande do Sul, Diocese de Osório e CNBB Regional Sul III. A estimativa é que mais de dez mil participantes das Dioceses e Arquidioceses do estado e do sul de Santa Catarina compareçam no evento. Então traga sua caravana e participe.
Mais informações contate a assessoria de comunicação da Diocese de Osório pelo e-mail pascom@diocesedeosorio.org ou telefone/WhatsApp (51) 98410-1945.
Esta é a segunda matéria da série de reportagens “41ª Romaria da Terra do RS e as Mulheres”, para ler mais matérias como essa, acesse https://goo.gl/fbE6go

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