44ª Romaria da Terra celebra agroecologia e agricultura familiar
Por volta das 07 horas começavam a chegar os primeiros romeiros e romeiras de diferentes lugares do estado. A comunidade de Ilópolis já está trabalhando desde as 05h30min da manhã, ou melhor, há 2 anos organizando a 44ª Romaria da Terra. O tempo instável obrigou a Comissão Organizadora a decidir que não haveria a tradicional caminhada penitencial. Toda a Romaria aconteceu nas dependências do Centro Cultural do Paróquia Santuário São Paulo Apóstolo e a pouca chuva que caiu sobre a cidade foi considerada uma bênção. Eram mulheres, crianças, pequenos agricultores, defensores da terra e do trabalho, homens do campo, representantes do Movimentos Populares que vinham para rezar e mostrar sua fé no Deus criador do universo, que nos deu a Terra como fonte de Vida e colocou a nossa disposição para sermos bons e responsáveis administradores. A participação superou a expectativa. A organização avaliou que mais de 1.500 pessoas tenham participado da Romaria. Além disso, muitas outras pessoas puderam acompanhar a Romaria pelas Redes Sociais, através das páginas do facebook da Diocese de Santa Cruz do Sul, Paróquia Santuário São Paulo Apóstolo, CNBB Sul 3, Rede Soberania, Brasil de Fato e Comissão Pastoral da Terra.
Acolhida animada e calorosa
À medida em que os romeiros iam chegando, a Equipe de Animação fazia a acolhida com cantos e palavras de boas-vindas. Na parte superior, dentro do salão paroquial, as pessoas eram recepcionadas com um reforçado café da manhã. Os alimentos colocados sobre uma grande mesa foram partilhados pelas comunidades da Paróquia. As comunidades foram envolvidas na mística da partilha. Quando há partilha do pão, ninguém passa fome e ainda sobram alimentos. No local, também haviam exposições de experiências de grupos de agroecologia, juventude, sementes crioulas, povos indígenas, apresentando a força da agroecologia e agricultura familiar camponesa e demonstrando sinais de esperança. Por ser na Terra da Erva Mate, como forma de sustentabilidade para as famílias, os pequenos proprietários de ervateiras expuseram os seus produtos.
Nas falas de acolhida o Pe. Clécio Henckes, Pároco da Paróquia Santuário São Paulo Apóstolo, expressou sua alegria e entusiasmo com o momento: “Esta Romaria é um grito por uma Agricultura Familiar e Agroecologia, como sinais de esperança! Somos Povo de Deus reunido para Caminhar Juntos, em Comunhão e Participação para a Missão! Nossa Romaria quer ser uma experiência que brota da comunhão da Santíssima Trindade. Como nos lembra o Papa Francisco: é preciso construir pontes que nos aproximam e não muros de separação”. O Prefeito Edmar Rovadoschi disse que “é uma benção de Deus receber a Romaria em Ilópolis. Ela defende a nossa terra, a nossa produção e as sementes crioulas. Existem mais 700 propriedades familiares no município e 75% dessas famílias dependem da produção de Erva-Mate para sobreviver”. Oldi Jantasch, em nome da Comissão Pastoral da Terra, agradeceu pelo sim daqueles que aceitaram colaborar e preparar a Romaria e ressaltou que “ninguém pode trabalhar sozinho, todos devem trabalhar em rede”. E com coragem disse: “todos devemos cuidar da Terra, nossa Casa Comum. Devemos dizer não aos venenos”.
Dom Aloísio Dilli, bispo da Diocese convidou a participação da Romaria “como quem pisa um chão sagrado, porque o Senhor Jesus quer caminhar conosco e nos convida para olharmos para quem está ao nosso lado como irmão e irmã em espírito de fraternidade universal. E dessa companhia fraterna participe o mundo criado que vislumbramos ao nosso redor e com o qual desejamos conviver com equilíbrio ecológico e em paz”.
Simbologia e Mística
A Simbologia faz parte da Romaria da Romaria da Terra e expressa a vida do povo. Logo no início foram apresentados a Cruz; o Círio, que representa o Cristo Ressuscitado, luz na vida do povo; Semente Crioulas; e a planta de Erva-Mate, considerada a mascote da Romaria. Aliás, esta é a primeira Romaria que aborda a Erva-Mate no campo da agricultura familiar. Dom Aloísio em um de seus artigos já falou da importância do chimarrão feito de Erva-Mate como forma de prover a cultura do encontro: “Sempre me impressionou a importância que se dava ao rito do tomar chimarrão na família, momento sagrado de encontro, de partilha de vida, com finalidades diversas”, afirmou o bispo.
Depois foram apresentados denúncias e anúncios. Primeiro, o combate à fome e à miséria. A panela vazia, pessoa com máscara, máquina de veneno, vasilha de agrotóxico, transgênicos representam mesas sem comida, muitas pessoas sem as refeições básicas. Para garantir lucro em seus negócios, políticos ligados ao Agronegócio, aprovam mais venenos, mais agrotóxicos. A comida, a terra, as pessoas estão sendo envenenadas. O pedido foi: “Precisamos cuidar da Casa Comum. Respeitar e não envenenar a Mãe Terra. Queremos uma agricultura que respeite a Vida do solo, das pessoas, das espécies”. O anúncio foi de que precisamos uma alimentação saudável. Foram apresentados frutas, legumes e um pão gigante, feito pelo Museu do Pão. O pedido de louvor foi: “Bendita a Mãe Terra que acolhe e faz germinar as sementes da Vida, para matar a fome das pessoas! Benditas mãos que trabalham a terra, produzem alimento saudável”.
A segunda denúncia apontou a morte injusta dos mártires da Terra. Mortes provocadas pela intolerância, pelo ódio, pela ganância. Foram mostrados cartazes com imagens de Rôse, Sepé Tiarajú, Ir. Dorothy, Chico Mendes, Margarida Alves, Dom Oscar Romero. A oração suplicou: “Basta! A vida é sagrada! A vida é de Deus. E Deus não tolera qualquer tipo de violação da vida”. Depois é anunciada a vida, como dom de Deus e os sinais de esperança: Cooperativas, Associações (ABRAMATE), políticas públicas de apoio à Economia Solidária e familiar, Sementes Crioulas, Escola de Jovens Rurais. Apareceram símbolos como: enxadas e ferramentas de trabalho. Com a entronização da água, elemento primordial da Terra e símbolo que lembra o nosso batismo, foi renovado o compromisso cristão. Refletiu-se também que a água é um direito universal, um bem público, direito para toda pessoa que não pode ser privatizado.
Celebração Eucarística
Depois da reflexão, rica em simbologia, cantos e elementos importantes para a construção de um mundo melhor e o cuidado com a Casa Comum, foi rezada a missa, presidida por Dom Aloísio, bispo da Diocese anfitriã e concelebrada por mais 8 bispos e muitos padres de diferentes lugares do Rio Grande do Sul. A homilia, partiu da leitura bíblica da vida da primeira comunidade (At 2,42-47) e do Evangelho do milagre da multiplicação dos pães (Lc 9, 12-17). Transcrevemos alguns trechos da reflexão:
“A multiplicação dos pães ensina que, ao partilhar, não falta pão para ninguém e até sobra. Lição que a humanidade ainda não entendeu ou não quer entender. O egoísmo, que objetiva concentrar sempre mais, impede a solidariedade da vida digna para todos/todas, direito que não poderia faltar para ninguém em nossa ‘casa comum’”.
“Somos romeiros da 44ª Romaria da Terra: somos muitos ou até formamos multidão; nós também desejamos ouvir Jesus sobre a proposta do Reino de Deus – “Reino da verdade e da vida, reino da santidade e da graça, reino da justiça, do amor e da paz”, como afirma a liturgia. Esse Reino, onde Deus está presente e nos quer irmãos, em que a vida digna seja possível para todos, portanto, um mundo mais justo e solidário, que respeita e cuida da vida de todos e do mundo criado, onde a agricultura familiar e a agroecologia têm vez e tornam-se sinais de esperança; onde todos podem sentar-se e participar da mesma roda de chimarrão. Também nós estamos no meio da multidão que deseja ouvir Jesus e, quem sabe, espera que ele faça mais um milagre; talvez sejamos seguidores mais próximos e até queiramos despedir o povo ou estamos preocupados em conseguir alimento para os famintos de hoje; talvez sejamos o menino que tem alguns pães e peixinhos, que deseja colaborar e oferecer o pouco que tem, em espírito de solidariedade; talvez sejamos dos que têm responsabilidade de organizar a vida do povo para que não falte pão para hoje e para o futuro… Cada um de nós tem sua missão ou, como diz o Papa Francisco, cada um “é uma missão nesta terra”. Portanto, sejamos agentes ativos para a multiplicação dos pães em nosso tempo. E jamais nos falte o pão vivo descido do céu”.
“Agora chegou a nossa vez de sermos cristãos/ãs de forma semelhante, na Betsaida ou na Ilópolis em que cada um vive: também nós podemos perseverar em nossa vida e nas comunidades, sustentados pelos pilares da Palavra de Deus, da comunhão fraterna, da participação na eucaristia e outras formas de oração, tornando-nos missionários de nosso tempo; e outros sentirão o apelo para seguir o Senhor pela atração do nosso testemunho. Sem a presença de Jesus e a força de seu Reino poderemos ficar apenas com os cinco pães e os dois peixinhos para uma multidão faminta e frustrada. Jesus disse: “Sem mim, nada podeis fazer” (Jo 15, 5b)”.
Organização
A Diocese de Santa Cruz do Sul, a Paróquia Santuário São Paulo, o poder público municipal, a EMATER, o STR de Ilópolis e a Comissão Pastoral da Terra que organizaram e prepararam a 44ª Romaria da Terra tinham clareza que o momento não deveria ser apenas um evento, mas ser a oportunidade para refletir sobre a Agricultura Familiar e a Agroecologia. Além de lives, momentos de formação e escritos diversos artigos, o tema foi desenvolvido nas diversas instâncias, com diferentes movimentos e lideranças sociais. Esta é a terceira vez que a Diocese de Santa Cruz do Sul sedia a Romaria da Terra. A partir desta Romaria sejamos mais uma vez “Romeiros da Paz e da Esperança”.
Colaboração: Pe. Rodrigo Eduardo Hillesheim | Diocese de Santa Cruz do Sul