Causas e consequências da inimizade na sociedade moderna
A inimizade entre indivíduos e grupos é um fenômeno complexo que tem raízes profundas na forma como a sociedade moderna se desenvolveu. Entre as causas que geram e alimentam esse sentimento de hostilidade, destacam-se a destruição da coletividade e a construção do indivíduo solitário e autossuficiente. A modernidade trouxe consigo a valorização da individualidade, mas essa noção foi distorcida em um individualismo exacerbado, que deu origem a uma subjetividade violenta e psicologicamente prejudicial.
Um dos aspectos que contribuem para a inimizade é o desaparecimento dos grandes sonhos, projetos e ideais capazes de unir e congregar as pessoas. Isso levou à construção psíquica, social e cultural do inimigo como elemento aglutinador da sociedade. Para tirar as pessoas de seu conforto individualista, é necessário convencê-las da existência de um inimigo comum capaz de aglutinar multidões em oposição a algo que, na realidade, muitas vezes não compreendem.
Essa mentalidade também acredita que o conflito é produtivo e que a guerra gera progresso, criando assim uma dicotomia entre paz e progresso. As leis da competição e da meritocracia colocam as pessoas umas contra as outras, normalizando o desejo de eliminar o outro em prol do próprio bem-estar. Essa mentalidade também desconsidera a importância da preservação do meio ambiente, priorizando o dinheiro e o poder em detrimento da Terra, nossa Casa Comum.
Vivemos, portanto, um esgotamento epocal que afeta os fundamentos do convívio social e dos relacionamentos. O peso excessivo atribuído ao indivíduo resultou em um crescente hiper individualismo, que se reflete em áreas diversas da vida, desde as relações familiares até as visões religiosas e políticas.
No âmbito político, as afinidades e identidades não deveriam ser fontes de divisão, mas muitas vezes observamos a inimizade entre membros de uma mesma família devido a opções políticas divergentes. Da mesma forma, comunidades religiosas e políticas têm sido afetadas por essa polarização, levando à fragmentação e ao abandono de comunidades e famílias.
O Papa Francisco alertou para a necessidade de reconhecermos que somos uma única família humana e de superarmos a “alterofobia”, ou seja, o medo, a rejeição e a aversão ao outro. Ele também ressaltou a importância da fraternidade como remédio para essa enfermidade social, enfatizando a necessidade de promover a inclusão social e de evitar a construção de muros que nos separem.
Diante desse contexto, a Campanha da Fraternidade deste ano assume um papel crucial ao abordar o tema da inimizade e da necessidade de conversão à luz da fraternidade nascida do Evangelho. É fundamental que enfrentemos essa pandemia sociocultural, buscando a transformação e a reconciliação em meio a um mundo que, embora fisicamente próximo, encontra-se existencialmente distante.
Para superar essa realidade, é necessário promover uma cultura do encontro, da compaixão e da inclusão, buscando reconhecer a humanidade comum que nos une e superando o medo e a aversão ao outro.
Dom José Mário Scalon Angonese – Bispo Diocesano de Uruguaiana