Esperar, apesar da multicrise
Vivemos tempos apocalípticos, que revelam situações escatológicas: pandemia, guerras e emergência climática, fome, injustiça e violência. O colapso da civilização humana é percebido com maior premência. Pode-se dizer que estamos inseridos numa multicrise que ameaça a esperança de muitos.
Vivemos entre uma crise e outra, uma catástrofe e outra. Esse clima gera medo e sufoca a esperança. Com o medo cresce uma atmosfera depressiva que atiça o ódio. Os ativistas climáticos receiam do futuro, isso lhes rouba a esperança. Suas preocupações são inegavelmente justificadas. Somente a esperança permitirá superar essa pandemia do medo, pois a esperança é o antônimo do medo.
Nesse contexto preocupante somente a esperança permite recuperar a vida, pois a esperança nos presenteia com o futuro. Como Abraão que esperou contra toda esperança, pode-se dizer que quanto mais profunda é a desesperança mais densa é a esperança.
A esperança não é nem otimista e nem pessimista. Ao otimista falta a negatividade, ele não conhece dúvidas e desespero, pois é pura positividade. Assim, o otimista crê que tudo terminará bem e vive num tempo fechado onde nada o surpreende e não é capaz de perceber a indisponibilidade daquilo que virá. Por isso, toda esperança precisa contar com a negatividade, como na cruz já se percebe a ressurreição, e como no Tabor já se anuncia a experiência do calvário. Trata-se de uma relação dialética que acolhe em si a dureza da vida, mas espera dias melhores.
Entre o otimista e o pessimista está o peregrino da esperança em seu movimento de busca. Quem espera avança para o desconhecido indo além do que já existe. O otimista depende de sua exagerada alegria, o pessimista está preso ao seu desespero, o esperançoso acolhe o sofrimento do tempo e com olhos bem abertos caminha para um futuro vindouro que ele não conhece, mas busca dando crédito ao que virá.
Em nosso tempo quem tem esperança supera os desejos de consumo. Ele somente tem desejos e necessidades que tendem a ser atendidos pelo consumo. Um sonho consumido é um sonho consumado. Perde-se o horizonte do futuro e por isso a vida se torna apática, pois viver supõe ter esperança.
No intenso desespero o cristão é chamado a proclamar a esperança. Esta não despreza a negatividade do que estamos vivendo, mas igualmente não aceita o desespero profundo. Ela orienta para um sentido que está além dos dados e estatísticas. A esperança desafia até mesmo o caos absoluto e ela oferece as razões para agir e caminhar rumo ao futuro.
Quem trilha os caminhos da esperança não se baseia em conceitos, mas se confia ao campo de possibilidades que podem surpreender. Quem espera não fica preso ao passado, mas sonha para frente em direção ao futuro, àquilo que virá. A esperança é diferente do otimismo exagerado, e em meio ao desespero ela reergue quem a ela se confia. Quem tem esperança torna-se receptivo ao novo, as novas possibilidades. Por isso, quem espera não se preocupa em adivinhar o futuro ou a fazer prognósticos de um destino fechado. Quem espera conta com o incalculável, com possibilidades contra toda a probabilidade.
Dom Leomar Antônio Brustolin – Arcebispo Metropolitano de Santa Maria e Presidente do Regional Sul 3