WEBMAIL

Páscoa é passar para o que não passa

Ainda estamos vivendo o tempo da Páscoa, que é a celebração da passagem salvífica de Deus no meio de seu povo, libertando-o de Israel, da escravidão no Egito, para que O sirva de coração purificado.

A Igreja conservou elementos da tradição judaica, acrescentando conteúdo: tornou-se memorial da passagem de Jesus deste mundo ao Pai.

Para a comunidade cristã, a Páscoa é comemoração de toda a história da salvação, que tem como ponto culminante Jesus Cristo.

Páscoa é passagem. Passar é preciso! Se não passamos para Deus que permanece, passaremos com o mundo que passa. Mas quão melhor é passar “do mundo”, antes que passar “junto com o mundo” (Santo Agostinho). Páscoa é passar para aquilo que não passa.

O amor não passa. Ele é eterno, e pede tudo. Jesus “tendo amado os seus, amou-os até o fim”.

Neste momento de crise que vivemos, vale recordar o que escreveu Edith Stein, dias antes de ser executada num campo de concentração: “Estamos muito calmos e alegres. É claro que, até agora, não houve nenhuma missa e comunhão; talvez isso venha mais tarde. Agora temos a chance de experimentar um pouco como viver puramente a partir de dentro”.

A fé aponta o rosto de um Deus cuidadoso e compassivo; um Deus que serve, sustenta, cuida, se doa. O viver a partir de dentro convence e convoca.

Somos solicitados a superar toda forma de comodismo. Urge caminhar, avançar, respeitar a alteridade, compreender que o Senhor não só passa entre os seus e liberta, mas também caminha junto.

A crise que estamos vivendo apresenta um grande desafio à obra da evangelização, especialmente nestes tempos em que o “religioso” se transformou, para alguns setores da sociedade, em negócio rendoso, ou numa espécie de autoajuda. Um processo evangelizador que tenha como objetivo maior apresentar e promover a fé, o amor e o zelo por Cristo e seu Evangelho, levando as pessoas a amar a Deus mais do que qualquer outra coisa, e que, em Deus, amém e assumam tudo o que ele ama como seu mesmo amor, poderia seguramente promover a transformação da sociedade a partir de dentro. O amor exige ação! O cuidado e a promoção da vida requerem ação.

A sociedade e as instituições precisam de ousadia e criatividade apostólica para responder aos desafios e exigências do novo tempo inaugurado por um vírus.

Por Dom Jaime Spengler, arcebispo metropolitano de Porto Alegre e primeiro vice-presidente da CNBB