Por onde começamos?
Percorrendo dezenas de escola, conversando com centenas de professores e gestores do mundo da educação sempre vem à tona a pergunta do milhão: tantos desafios, por onde começar? Cada escola é um mundo e comporta chamados de todas as naturezas e dos mais diferentes atores que transitam em seu interior e ao seu redor.
Um dia de trabalho em uma Instituição Educativa equivale a inúmeras interações, conflitos, experiências de aprendizagem. As emoções se alternam indo da alegria à angústia, do tédio das repetições de posturas exasperadas à felicidade das pequenas superações.
Gestores e educadores, muitas vezes exaustos, têm, por vezes, vontade de escrever em letras garrafais que são humanos, que também cansam e que precisam de tempo para executar processos em situações que não mudam com passes de mágica. O que nem sempre é entendido ou aceito por todos.
Segundo consta, o célebre jornalista inglês Herbert Swope teria afirmado desconhecer o caminho do sucesso, entretanto, com certeza o caminho do fracasso consistiria em querer agradar a todos. Ocorre que muitas pessoas olham para a escola e para os educadores com a perspectiva de estarem aí para satisfazer suas vontades e não para cumprir uma missão.
Realmente, o lamentável fato de grandes empresas terem se imiscuído no mundo da educação, com fins lucrativos, prejudicou – e muito – a relação que havia entre as famílias e a escola. A concorrência desleal de quem faz do ensino apenas instrumento de lucro é perversa porque subverte o fim principal da escola, que é formar as gerações para a cidadania e o convívio em sociedade, de modo a humanizar o homem.
A dor ensina a gemer, dizemos nós e, por isso, muitos humanistas, sérios e comprometidos com os valores que edificam a comunidade ética, veem desandar os projetos educativos que priorizam a solidariedade, a justiça, a fraternidade e a colaboração mútua. O mercado diz-nos que é preciso ensinar a ser superior, a vencer os outros, custe o que custar. Que fazer diante disso? Para qual lado lançar-se? Entrar no jogo ou continuar teimando nesse sonho ‘maluco’ de uma educação que transforma, edifica e molda um homem digno e honrado?
Aos educadores que, como eu, ainda acreditam que é possível promover uma educação centrada na pessoa humana indico 5 possíveis pontos de partida:
- A ternura: não há possibilidade de ensinar e aprender sem um vínculo amoroso, comecem pela linguagem do coração. Nada é superior à comunicação do amor.
- Horizontalizar a educação: a aprendizagem não é algo linear, imposto de cima para baixo, vertical. Transformem as salas de aula em espaço de diálogo e não de imposição. Ouçam os estudantes, conversem com eles. Esgotem possibilidades. Eles têm muito a contribuir.
- O Conteúdo: a pessoa, em sua história e experiência únicas, é uma fonte de ensino riquíssima que não pode ser desprezada. Valorizem cada pessoa em sua singularidade, aprendam a trabalhar com as diferenças. Elas são enriquecedoras.
- Parâmetro cultural: planificar um novo parâmetro cultural, que permita um novo contrato social, substituir a violência de gênero por modelos que tenham impacto sobre a realidade. Ensinar a condição humana também consiste em possibilitar novo jeito de viver baseado no respeito e na fraternidade.
- Educar para o imprevisível: construir com os estudantes o conhecimento contextualizado que priorize as características de quem aprende e ensina. Partam sempre da vida, pois ela é o conteúdo supremo, em torno do qual tudo mais se desenvolve e para o qual toda educação deve convergir. Ensinar para a vida é tarefa gratificante e nobre.
Todo começo é difícil, nada cai do céu. As transformações são resultado da paciência e da fé. Que nos ajudemos uns aos outros para que jamais percamos a fé na possibilidade infinita de modificabilidade do ser humano e, tampouco, nos deixemos vencer pela impaciência de quem deseja colher os frutos ainda verdes. Uma vida leva tempo para ser forjada. O melhor de tudo é saber que não estamos sós! Há muitos outros marujos nesse navio instigante, em mares bravios, desafiando marés, sem perder de vista o horizonte maior: a vida em todo o seu esplendor.
Prof. Dr. Rogério Ferraz de Andrade