Superar nossos medos
“O mundo é algo mais do que um problema a resolver; é um mistério gozoso que contemplamos na alegria e no louvor.” (Papa Francisco )
A prevenção contra o suicídio é importante, mas mais efetivo seria ajudar as novas gerações a pensarem projetos de vida voltados para os ideais de fraternidade e de convívio harmonioso. Precisamos, com urgência, um trabalho educativo que motive a pensar a existência como um dom e o mundo como algo a ser celebrado.
Há muitas perguntas a serem respondidas: o que tem feito as juventudes perderem o gosto pela vida? Por que não conseguimos um diálogo sincero entre as gerações, com tanta comunicação à nossa disposição? Que passos a educação deve dar, a fim de significar alguma coisa na vida das crianças, adolescentes e jovens?
O célebre escritor Jonathan Haidt, em A geração ansiosa denuncia a opressão a que estão submetidos pais e educadores em promover a segurança a todo custo das crianças, adolescentes e jovens, tornando-os praticamente prisioneiros, que precisam estar sempre por debaixo de nossos olhos. Segundo o autor, não deixamos as novas gerações fazerem anda sozinhos, tudo tem que passar pela regulação dos adultos. Consequência: a infância está perdendo o que tem de melhor: o brincar; os adolescentes perdem o dom de ousar e os jovens, consequentemente, transformam-se em pessoas fragilizadas que têm dificuldade em fazer a transição da adolescência para a vida adulta, em total dependência dos pais, inseguros e incapazes de resolverem os próprios problemas, realidade sintetizada pela expressão inglesa failure to launch.
Nossa ânsia de proteger tem esmagado a flor e impedido que floresça entre as intempéries ‘necessárias’ da existência. Equivocamo-nos ao oferecer um celular, muito mais perigoso que a brincadeira na rua, imaginando que estariam seguros em casa. As consequências estão aí. Passamos da geração do brincar para a geração do celular. E não bastam os conselhos de especialistas para que não seja oferecida a crianças essa tão importante ferramenta tecnológica, que temos ao nosso dispor, pois o que a cabeça sabe não necessariamente chega ao nosso coração, uma vez que estamos convencidos que nós temos sempre razão.
Quais caminhos assumir diante disso? O autor acima citado recomenda promover as brincadeiras ao ar livre e trancar os smartphones. Mas, podemos ir além, considero importante repensarmos nossas próprias ações enquanto convivemos como adultos, respeitando-nos mais (ao menos na hora das refeições). A beleza de nos ouvirmos e nos importarmos uns com os outros, a alegria de ver os olhos de quem amamos brilhando por estarem conosco, o gosto de prepararmos uma refeição juntos enquanto conversamos sobre a vida e, acima de tudo, deixarmos de lado a paranóia de querer resolver os problemas das crianças, adolescentes e jovens, como se eles fossem incapazes. Será que ainda não percebemos a verdade fundamental que fazer pelo outro o que ele é capaz de fazer é humilhá-lo?
Setembro só devia ser amarelo, como disse alguém, porque florescem os ipês e, com eles, as vidas que são resgatadas quando passamos a olhar para tudo que existe ao nosso redor como promessa e esperança. Ao invés de usarmos as lentes escuras de quem percebe tudo como perigoso, deixemo-nos iluminar pelo brilho do sol. Que passe logo a fuligem e possamos respirar aliviados.
Prof. Dr. Rogério Ferraz de Andrade – Secretário Executivo da CNBB Sul 3