Valores que vêm de casa
Querendo ou não, o fato de passarmos a maior parte do tempo com alguém, assemelha-nos. Vamos adquirindo traços identificadores devido à proximidade. Vamos nos tornando parecidos no pensar e no agir. Daí a importância de referências, especialmente nos momentos de edição e reedição da personalidade. A tradição popular consagrou a metáfora do espelho, ao afirmar que “os filhos são espelhos dos pais.” E, de fato, em boa parte das circunstâncias o são.
É necessário muito tempo para sedimentar os valores, as crenças e as práticas. As múltiplas repetições tornam os comportamentos automáticos, até que cheguemos à cultura estabelecida como aceitável ou definidas como “o certo a fazer”. Ninguém se torna humano, sensível, responsável de uma hora para a outra. É necessário percorrer muitos quilômetros, refazer inúmeras vezes o caminho, recomeçar quase que a cada dia o trajeto. Da mesma maneira ninguém se torna grosseiro, desumano, oportunista e soberbo sem uma boa dose de exemplos acumulados.
Seres relacionais que somos, não estamos juntos por estar. Somos responsáveis uns pelos outros e promovemos visões de mundo e formas de estar no mundo. Outro dia conversava com estudantes e observava-lhes a naturalização dos palavrões no uso cotidiano, ao que uma adolescente me questionou: “E que mal há em dizer palavrão?” É exatamente sobre isso. Acostumamo-nos ao que não é normal. O que há algum tempo seria motivo para deixar de rosto corado muita gente, hoje é dito à luz do dia em alto e bom som, inclusive com orgulho e assinatura firmada em cartório.
A impressão que temos é que o homem vem se brutalizando de tal forma que já não sente mais nem vergonha e nem sofrimento pelo mal que faz e pelas coisas que diz. A máxima kantiana que orientava fazer ao outro somente o que gostaríamos que nos fizessem já não consta mais no código moral de uma boa parcela da população. Não é verdade que muitos pais têm terceirizado a educação dos filhos. O que vemos é repetir-se o que há de mais genuíno na humanidade: a imitação por considerar que aquilo que os adultos fazem é aceitável. Outro dia presenciei dentro de uma igreja uma senhora que gritava com a filha, enquanto esta admoestando-lhe disse: ‘Mãe, não grite, estamos dentro de uma Igreja.” Com a alma renovada, senti-me aliviado. Pensei que talvez nós adultos pudéssemos ter umas aulas de etiqueta com os jovens e crianças que não raramente têm andado de modo bem mais sóbrios que nós.
Tenho esperança que possamos ainda tornar-nos melhores. Se não por nós mesmos, pelas gerações que estão chegando. Afinal, elas mereceriam algo melhor do que temos lhes ofertado com nossas insistências e teimosias em retornar às práticas deletérias de machucar sem sentir culpa, desde que estejamos bem. Sem falar nos que afirmam andar bem com sua consciência, obviamente consciências tortas e embaçadas, mas isso é assunto para outro dia. Por ora, lembremo-nos que exemplo vem de casa, vem dos adultos. Vem de nós.
Prof. Dr. Rogério Ferraz de Andrade