Fiel ao objetivo de “ler os sinais dos tempos”, o Vaticano II deu passos fundamentais na valorização do leigo na vida e na missão da Igreja. No contexto atual, esse reconhecimento se mostra ainda mais necessário e importante, e o Concílio oferece-nos muitas luzes para reflexão.
A Igreja existe para mostrar a todos os seres humanos a beleza do Evangelho, a Glória de Deus e a Redenção obtida através da fé em Jesus Cristo, nosso Senhor. Concretizar essa missão não é, porém, função exclusiva do clero: bispos, padres e diáconos. Todos os batizados são chamados a colaborar, primeiramente através do testemunho de vida, depois através de ações concretas em sintonia com a hierarquia da Igreja. O leigo tem um papel fundamental nesse processo, pois está mais profundamente inserido no mundo e convive diretamente com as pessoas que precisam da fé, do amor e da esperança. Incluir os leigos nessa missão foi uma preocupação do Vaticano II, que se mostra cada vez mais atual e necessária, sendo objeto de discussão de vários documentos e simpósios, e de modo especial ao longo do processo sinodal que estamos vivendo e que terá, em Roma, a primeira fase assemblear de 4 a 29 de outubro.
Ao longo da história vimos a posição do leigo na Igreja sofrer muitas alterações. Nas primeiras comunidades cristãs havia um grande protagonismo dos cristãos leigos, como podemos constatar a partir da leitura das cartas paulinas e das cartas apostólicas. Os leigos exerciam diversos ministérios, tais como o serviço da Palavra, da caridade, da direção da comunidade e, por vezes, até o serviço de culto. Com o tempo esses ministérios sofreram um processo de clericalização, ou seja, passaram a ser feitos por ministros ordenados, pelo clero, cabendo ao leigo apenas a dedicação a assuntos temporais. No início do século XX, o movimento da Ação Católica procurou recuperar o papel do leigo na atividade pastoral e apostólica da Igreja, encontrando nos documentos do Vaticano II a confirmação e aprovação que deram novo rumo à organização da Igreja.
Diversos documentos capitulares abordam o tema do laicado. A constituição dogmática Lumen Gentium, por exemplo, dedica a ele todo seu capítulo IV (nn. 30-38). Aborda a natureza e missão dos fiéis leigos, seu apostolado específico, a relação com o clero, sua participação no sacerdócio de Cristo, assumindo função profética e régia, etc. A Lumen Gentium afirma que os leigos são a alma do mundo e devem ser testemunhas do Cristo ressuscitado (n. 38), respondendo ao chamado à santidade que receberam no Batismo.
O documento exclusivamente dedicado à ação apostólica dos leigos, porém, é o decreto Apostolicam actuositatem (AA), elaborado a partir das 164 proposições enviadas à comissão preparatória. Depois de várias emendas e redações, foi aprovado no dia 18 de novembro de 1965, com 2340 votos a favor e 2 contra. Seus 33 parágrafos são divididos em seis capítulos e visam esclarecer a índole, natureza e variedade do apostolado do leigo, além de oferecer princípios fundamentais e instruções pastorais para seu eficaz exercício.
O proêmio da Apostolicam actuositatem trata da atividade apostólica do povo de Deus. Reconhece que os leigos desempenham funções próprias e necessárias na missão da Igreja, e que “o Espírito Santo hoje torna os leigos cada vez mais conscientes da própria responsabilidade e por toda a parte os anima ao serviço de Cristo e da Igreja” (AA, n. 1).
No capítulo I é abordada a vocação do leigo ao apostolado: participação dos leigos na missão da Igreja, no múnus sacerdotal, profético e real de Cristo (n. 2), espiritualidade como exercício contínuo da fé, esperança e caridade. Através do bom exercício da sua vocação, os leigos devem levar ao mundo a mensagem de Cristo, através da palavra, do testemunho e dos sacramentos. Esse é o fim a atingir na sua missão (capítulo II), que se funde com o objetivo da Igreja de construir o Reino.
O capítulo III menciona os vários campos de apostolado. Podem ser realizados nas comunidades cristãs (paróquias), através da pastoral, da catequese, da ação católica etc.; na própria família, vivendo os valores cristãos, promovendo a unidade e educando na fé; no ambiente social, promovendo o diálogo e o entendimento e principalmente demonstrando coerência da vida com a fé. O testemunho é certamente a melhor forma de evangelizar e defender a fé cristã.
Assim como são variados os campos de apostolado, também o são as formas de o desenvolver: “Os leigos podem exercer sua ação apostólica quer como indivíduos quer unidos em diversas comunidades e associações” (AA, n. 15). A ordem a observar em todos os casos é a coordenação e mútua estima entre os vários apostolados, e a boa relação entre leigos e clero, respeitando-se mutuamente as tarefas e funções específicas de cada um (capítulo V).
Por fim, o capítulo VI trata da formação dos leigos. Este é um ponto ainda delicado, pois ao mesmo tempo em que se exige uma participação ativa dos leigos na Igreja, não surgem na mesma proporção as oportunidades para obterem uma formação espiritual, doutrinal, ética, teológica e humana sólida. Existem muitos exemplos louváveis, mas ainda há muito que se caminhar neste aspecto, por parte de cada um dos leigos e por parte da hierarquia, que deve incentivar e facultar aos leigos tal formação. Somente assim concretizaremos o apelo final do documento, de um envolvimento sempre maior dos leigos na atividade apostólica da Igreja.
Dentre os muitos méritos da mudança de mentalidade gerada pelo Concílio, é significativa a ruptura da dicotomia pastores-fiéis. O Vaticano II, como constatamos em documentos analisados nos meses anteriores, apresenta a Igreja como Povo de Deus, onde todos são corresponsáveis na evangelização. A Igreja é comunhão, somos todos parte do mesmo Corpo de Cristo; e o carisma pertence a todos, não é exclusividade de nenhum grupo, apesar de cada um ter uma função específica, como bem procura enfatizar as conclusões presentes no Instrumentum laboris do Sínodo “Para uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão”. Somos chamados a oferecer nossos dons e carismas, a fim de promover a vida e a missão da Igreja, e não a competição e a sua segmentação. Trata-se de ajudar a construir uma sociedade nova – o reino de Deus – mais justa, mais humana e mais cristã.
Nesse processo é essencial a unidade interna da Igreja, e da Igreja com Deus, do Corpo com sua cabeça, Cristo. Conforme nos recordou certa vez o Papa Bento XVI, “o decreto destaca acima de tudo que a fecundidade do apostolado dos leigos depende da sua união vital com Cristo, ou seja, de uma robusta espiritualidade, alimentada pela participação ativa na liturgia e expressa no estilo das beatitudes evangélicas. Para os leigos, além disso, são de grande importância a competência profissional, o senso de família, o senso cívico e as virtudes sociais.”
Os leigos são os “apóstolos do terceiro milênio”, declarou São João Paulo II em uma de suas mensagens, logo no início do século XXI. Dirigindo-se aos leigos, dizia que “nesta passagem de época, a lição do Vaticano II mostra-se mais atual do que nunca: as condições hodiernas, de fato, requerem que o vosso empenho apostólico de leigos seja ainda mais intenso e mais amplo. Estudai o Concílio, aprofundai-o, assimilai seu espírito e suas orientações: encontrareis nele luz e força para testemunhar o Evangelho em todos os setores da existência humana.”
Também o Papa Francisco recorda regularmente nos seus documentos e discursos a importância dos leigos na Igreja. Já na sua primeira exortação apostólica, a Evangelii gaudium, Francisco enfatizou que “a imensa maioria do povo de Deus é constituída por leigos; cresceu a consciência da identidade e da missão dos leigos na Igreja”, mas reconheceu também que “a formação dos leigos e a evangelização das categorias profissionais e intelectuais constituem um importante desafio pastoral” (EG n. 102).
Que as palavras e exemplo dos Papas provoquem em nós uma frutuosa reflexão e ação, recordando sobretudo esta aspiração do Papa Francisco: “Como é bom que sacerdotes, diáconos e leigos se reúnam periodicamente para encontrarem, juntos, os recursos que tornem mais atraente a pregação!” (EG n. 159)
fr. Darlei Zanon, religioso paulino