Educar é muito mais do que transmitir conhecimento! Esse é o ponto de partida da Gravissimum Educationis, documento no qual o Vaticano II reconhece a importância da educação cristã em todos os tempos e sociedades, e estabelece os seus fundamentos e diretrizes. Aponta a quem compete assegurá-la e a quais meios recorrer, destacando sempre as escolas católicas de vários níveis.
Quando falamos em educação, uma avalanche de pensamentos toma conta da nossa mente, pois educar é um termo amplo e complexo. As definições são tantas. Algumas mais objetivas, como “educar é ensinar e aprender”, outras mais profundas, como “educar é transmitir valores; é formar para os valores essenciais da vida humana; é transmitir, pela exemplificação, valores de defesa da vida, direitos humanos, preservação ambiental, justiça social, cooperação, fraternidade, igualdade e solidariedade”. Ou ainda algumas mais poéticas, como “educar é cultivar, é fazer sonhar, é semear.” Certo é que educar é muito mais do que transmitir conhecimentos, como tem insistido o Papa Francisco, sobretudo através do Pacto educativo global, e como vem muito bem expresso na declaração do Concílio Vaticano II Gravissimum Educationis (DE), sobre a educação cristã, que agora aprofundaremos.
A ideia principal que perpassa esse documento conciliar é a de que educar não é simplesmente propor conteúdos externos, mas sim desenvolver de dentro para fora, cultivando o dom da fé, solidificando os valores evangélicos, fortalecendo o processo de humanização e personalização, promovendo a felicidade e a realização pessoal. Algo que o grande educador brasileiro Paulo Freire conceituou belamente com a afirmação de que “educar é construir” e “educar é um ato de amor”. E algo já expresso na própria etimologia da palavra educar, derivada do latim ex-ducere: ex, que significa “exterior” ou “para fora” e ducere, que tem o significado de “guiar”, “direcionar”, “conduzir”.
O documento intitulado “Declaração sobre a educação cristã” é o resultado de sete reformulações do texto original preparado pela comissão presidida pelo Cardeal Pizzardo. Inicialmente dirigido apenas às escolas católicas, englobou também as universidades e teve um caráter muito mais aberto, sendo analisado e aprovado com 2290 votos a favor contra apenas 35 contra, no dia 28 de outubro de 1965.
Direito à educação
Logo no seu Proêmio, o documento destaca que “educar é uma questão urgente” e que a presente declaração é fruto de uma atenta consideração à importância da educação cristã e à sua influência no progresso humano e social. Pretende-se, assim, enunciar alguns princípios fundamentais sobre a educação cristã, algumas linhas operativas, que posteriormente devem ser refletidas e aprofundadas pelos pais, educadores e clérigos.
Logo depois, é enfatizado o direito universal à educação (GE 1), confirmando a Declaração dos Direitos Humanos, estabelecida pela ONU em 1948 (art. 26, n. 1) e o Pacto Internacional sobre os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais de 1966 (art. 13, n. 1). Esse direito compreende principalmente “favorecer o desenvolvimento harmonioso das qualidades físicas, morais e intelectuais das crianças”, ou seja, educar para os valores, para a responsabilidade e a fraternidade. Uma formação integral, sem fragmentar o ser humano.
O documento prossegue tocando o aspecto da fé (GE 3), com destaque para a catequese (GE 4) e a família (GE 3). Os primeiros e principais educadores são os pais, destaca o Concílio. A sociedade civil deve garantir a educação, mas cabe à família escolher como o filho deve ser educado e dar-lhe as primeiras e fundamentais noções sobre cultura, fé, conhecimento e valores. Cada vez mais se tem chamado a atenção para a diferença de papéis exercidos pela família e pela escola no processo educativo. É tarefa específica da escola transmitir a cultura, no respeito pela diferença e pela liberdade, completar e desenvolver os valores da personalidade, promover uma educação para a inserção na vida social e profissional e para o exercício responsável da cidadania; porém é função da família, enquanto comunidade fundada no amor, educar para o amor e para a fé: transmitir os valores da comunhão, da responsabilidade, da fraternidade, da solidariedade, da sociabilidade, da afetividade, preparando as crianças para uma integração social ativa e responsável, sempre respeitadora dos direitos de todos.
Ao Estado compete unicamente garantir o acesso à educação. Em hipótese alguma o Estado pode assumir poderes que não lhe convém, ignorando os direitos da família e da escola. Não pode definir projetos educativos sem considerar o desejo dos pais.
A catequese, por sua vez, deve funcionar como um importante suporte aos pais, pois revela o múnus de educar da Igreja. Ela deve ter em vista transmitir a Palavra de Deus a fim de formar discípulos de Cristo.
A Gravissimum Educationis toca ainda no tema da educação moral e religiosa nas escolas, destacando que o testemunho de vida é sempre o principal educador (GE 7).
Escolas católicas
O corpo principal do documento conciliar (nn. 8 a 12), no entanto, trata das escolas católicas. No Brasil são atualmente 4.687 as instituições de ensino nomeadamente católicas, um número bastante significativo. Ao longo da história da Igreja, a escola teve sempre papel de destaque, surgindo como resposta às exigências das classes menos favorecidas do ponto de vista social e econômico, e caracterizando-se como lugar de educação integral da pessoa humana através de um projeto educativo claro que tem o seu fundamento em Cristo.
O documento alerta para os novos desafios criados pelo contexto sócio-político e cultural da época, intensificado hoje com a crise de valores. É dever das escolas católicas, “animadas pelo espírito evangélico de liberdade e caridade” (GE 8), oferecer saídas à crise. Elas têm um dever moral, compromisso com o evangelho, e por isso devem defender os valores e princípios cristãos. É necessário que saibam se afirmar de maneira eficaz, persuasiva e atual, apontando renovações sempre responsáveis e conscientes. Diante da crise, nada melhor do que propor uma educação de qualidade, com princípios e valores claros, atenta ao desenvolvimento integral da pessoa, com suas habilidades e competências, e à formação de cidadãos com fundamentos éticos válidos para a vida feliz e comprometida.
A declaração conciliar prossegue descrevendo os tipos de escolas católicas (GE 9) e as universidades: “a universidade católica deve efetuar uma presença pública, estável e universal do pensamento cristão em todo o esforço dedicado à promoção da cultura superior” (GE 10). São incentivadas as fundações de Universidades Católicas, que devem ser marcadas pela excelência no ensino e na pesquisa.
O concílio chama a atenção ainda para as faculdades de ciências sagradas, pois a elas se confia a educação dos futuros sacerdotes e dos professores de ensino religioso. Elas têm assim grande responsabilidade. Por fim, menciona a coordenação das escolas católicas. Já existem muitas associações regionais e nacionais, mas sempre mais deve ser favorecido o intercâmbio de experiência e a mútua colaboração.
Dentre toda a riqueza de conteúdo da Gravissimum Educationis, seguramente a principal é apontar caminhos para uma educação integral, que leve em consideração todos os aspectos do ser humano e favoreça um crescimento saudável e pleno da criança e do jovem. A Igreja tem um papel importante na educação, por isso a catequese e as escolas católicas devem fornecer um serviço de excelência, sempre atual no que se refere aos métodos e sólida quanto aos conteúdos e valores.
Reler esse documento conciliar é uma excelente forma de estarmos em sintonia e auxiliarmos o Papa Francisco na concretização do seu sonho do “Pacto educativo global”.
* fr. Darlei Zanon, religioso paulino